Se você me lê de vez em quando, sabe que sou louco por arqueologia. Daqueles escavadores frustrados que devoram tudo o que encontram sobre o tema, que até apresentaram a tumba de Tutancâmon na 5.ª série, com direito a sarcófago de isopor talhado com estilete e decorado com caneta hidrocor. É por isso que vibro com notícias como uma publicada recentemente sobre a descoberta, em um canteiro de obras em Frankfurt, das sepulturas de 200 soldados de Napoleão mortos durante o retorno das tropas francesas da Rússia, há exatos 202 anos.
O que há de mais remoto, de mais relíquia de nossa época, que um disquete achado no fundo de uma gaveta?
Em um exame inicial, os arqueólogos descobriram que a maioria dos combatentes morreu de tifo, doença transmitida por piolhos (sinal da miséria do momento), e foi sepultada às pressas porque os esqueletos estavam posicionados na direção norte-sul e não leste-oeste, como determinava o ritual da época. Um até então esquecido cemitério napoleônico, portanto, é capaz de oferecer um mar de informações sobre um período da história. Minha estranha dúvida é: que informações nosso próprio momento histórico, nosso oceano de dados, legará aos arqueólogos do futuro?
Na medida em que a era dos computadores ainda está dentro dos limites do não abrangido pela ciência, desconfio de que ainda não exista qualquer protocolo que permita aos pesquisadores estabelecer uma “arqueologia de sítios digitais”. Por bizarra que essa perspectiva pareça, o fato é que em 200 anos teremos uma quantidade incrível de dados potencialmente arqueológicos guardada no interior de outras peças tão arqueológicas quanto, como rolos de fita magnética, disquetes, discos rígidos e servidores. Pense: o que há de mais remoto, de mais relíquia de nossa época, que um disquete achado no fundo de uma gaveta?
Serão textos inteiros, imagens, filmes, algoritmos e, principalmente, fragmentos, coisas como aquele poema que você começou a escrever, guardou na nuvem cibernética e foi cuidar da vida. Tremendíssima cacofonia. Some-se a isso o fato de um processo de globalização que tende a achatar as diferenças culturais e, coisa definitiva, a fragilidade de muitas das fontes materiais atuais, recicláveis, biodegradáveis ou desinteressantemente replicadas ao infinito.
Essas fontes, decerto, darão muitas alegrias aos cientistas, desde que eles descubram antes os softwares e os hardwares capazes de lê-las.
No mais, o passado pré-computacional seguirá fornecendo respostas maravilhosas, e a nossa própria época, com suas muitas tumbas e valas comuns, há de produzir indícios incríveis de um tempo extraordinário.
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