O Centro de Curitiba é o palco perfeito para o exercício da etnografia amadora, aquele processo secreto de observar as pessoas e tentar descobrir quem são. Buscando, sempre, exercitar a inspiração budista do não julgamento: olhar, aprender alguma coisa, deixar passar e, em caso de inspiração, escrever uma crônica.
Nos últimos meses, em minhas caminhadas em busca de pão sírio pela Praça Tiradentes, venho testemunhando um público interessante, o dos imigrantes recém-chegados da África. Homens e mulheres jovens que, quando reunidos, sorriem com dentes perfeitos e falam despreocupados, algumas vezes em francês, outras vezes em idiomas que não consigo identificar. Que conversam docemente com os filhos a caminho da creche ou que, sozinhos, seguem pelas ruas investidos de uma solenidade que indica tanto desejo de inscrição na realidade quanto receio em relação aos riscos do cenário.
Enquanto eu meditava nos fatores sociológicos da bijuteria, o vendedor notou minha presença
Uma manhã, quando passava ao lado da catedral, observei um desses homens sozinho. Alto, magro, camisa colorida, vinha ele caminhando com uma espécie de pasta 007, na verdade uma “meia pasta 007” quadrada, diferente de tudo o que eu já havia visto. Chegando perto da estação-tubo, foi até uma parede, puxou um banquinho de um nicho invisível e se sentou. Apoiou a maleta no colo e a abriu com cuidado, para revelar uma das mais douradas coleções de bijuterias que eu já vi: correntes grossas, pingentes monumentais, pedras vermelhas, anéis, relógios de pulso que ficariam bem em qualquer parede. Uma beleza digna do tesouro de O Escaravelho de Ouro, de Poe. Um paradoxal e sublime oposto ao kitsch, coisa verdadeiramente rara.
Bati o olho naquele brilho todo e fui lá, disposto a ver de perto e, quem sabe, salvar uma corrente para o meu patrimônio. Enquanto chegava, dois homens, também imigrantes, já estavam negociando. Pelo alto grau de interesse, imaginei que as peças deveriam possuir um enorme valor simbólico, fragmentos fashionistas, quem sabe, de uma amada “terra natal”.
Enquanto eu meditava nos fatores sociológicos da bijuteria, o vendedor notou minha presença. Falou alguma coisa aos compatriotas (que desapareceram imediatamente), fechou o mostruário e saiu andando sem olhar para trás até dobrar a esquina e desaparecer pela Rua do Rosário.
Triste constatação: na etnografia de sobrevivência de meu vendedor africano de sonhos, este cronista era apenas e tão somente o fiscal da prefeitura ou o pérfido predador local que, muitas vezes, ronda os ambientes de imigração. E eu, que só queria testemunhar um tesouro, uma novidade, acabei sem nada.