Você é uma pessoa colaborativa. Que vai a um evento promovido por amigos e, de boa, chega antes para montar a festa. Arrasta móveis de um lado para outro, prega bandeirinhas e compra salgadinhos para o povo. Até que, com aquela nobreza de quem crê que vai ser liberado em seguida, pergunta: “o que mais posso fazer?” e ouve a resposta: “Rodrigo, preciso que você fique no portão, controlando o acesso”.
Pôtz: logo eu, que não consigo dizer não nem para uma mosca, vou fazer papel de leão de chácara. Não funcionaria nem se fosse a conferência mundial dos iogues. Como não consigo dizer não nem para uma mosca, contudo, aceito a estranha incumbência e vou me arrastando para o portão.
E a festa, suspiro, é um gigantesco sucesso. Povo chegando sem parar, fila dobrando a esquina. Sempre tem alguém querendo entrar na malandragem. “Minha senhora, veja bem...” – quando me dou conta, a criatura escapou lá para dentro e resolvo fechar o portão. Tentativa de voz de comando: “Um de cada vez, por favor”, e o povo, curiosamente, acata a ordem. Pelos minutos seguintes, a fila caminha com a mais absoluta tranquilidade.
A festa foi um desbunde, como desbundante foi minha percepção sobre a gênese do poder e o fascínio que ele exerce
“Dinheiro na mão, por favor. Se tiver trocado, melhor”, arrisco, e sou prontamente atendido. Notas de cinco agitadas para o céu. Sensação de micropoder. “Um passinho mais para a frente”, aplico mais uma ordem, e o povo chega para cá um pouquinho – coisa linda! “Meu nome está na lista”, escuto alguém dizer. Olho com uma pontinha de desdém (o diabo, afinal, está sempre por perto), examino a folha de papel e encontro o nome. “Pode entrar”, sentencio, e a pessoa me devolve o olhar mais agradecido do mundo.
Dali a pouco chega o dono da festa e diz que a casa está cheia. “Lotação total. Vamos ter de segurar a entrada. Vai lá e resolve.” Você olha para a fila ainda dobrando a esquina e se assusta. Se aquele povo resolver se rebelar, vai incendiar o bairro. “Atenção, pessoal! Festa lotada! Vamos abrir para mais 20 pessoas em meia hora!” Alguns resmungos e só – eles resolvem esperar. A coisa caminha bem e eu, o juiz do portão, me solto mais um pouco. “Preciso entrar”, diz a menina – “vou apresentar um número de sapateado”. “Beleza. Dança um pouco, só para confirmar”, exagero. E a jovem, para meu espanto, bate os pés na calçada e dá uma pirueta. “Entra”, falo meio constrangido.
No fim das contas, a festa foi um desbunde, como desbundante foi minha percepção sobre a gênese do poder e o fascínio que ele exerce. No próximo evento, prometo, paro na compra dos salgadinhos.
PT apresenta novo “PL da Censura” para regular redes após crescimento da direita nas urnas
Janjapalooza terá apoio de estatais e “cachês simbólicos” devem somar R$ 900 mil
Não há inflação baixa sem controle de gastos: Banco Central repete alerta a Lula
De 6×1 a 4×3: PEC da redução de jornada é populista e pode ser “armadilha” para o emprego
Deixe sua opinião