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Rodrigo Wolff Apolloni

O buda do riso

As risadas do André são antológicas. Lendárias, como dizem os amigos que adoram fazê-lo rir. Dignas de memória e estudo por algum protocolo sofisticado de registros psíquicos, desses levados à perfeição pelos behavioristas americanos. Merecedoras, no mínimo, de uma crônica para registro arqueológico.

As risadas perfeitas do André são, ao menos para mim, as mais misteriosas. Não por trazerem uma entonação sinistra ou pelo hermetismo das piadas geradoras, mas pelo fato de seu emissor ser, em princípio, o mais prosaico dos personagens. André é um homem simples, um pai de família que veio do interior ainda menino, na esteira da Geada Negra de 75, e se enquadrou sem maiores dores na vida da metrópole. Alguém que leu pouco, estudou o estritamente necessário, acabou aprovado em um concurso público de nível médio e, desde então, dá conta do recado na pequena burocracia sem qualquer brilhantismo. Uma figura, em síntese, comum em todos os sentidos – menos em um.

As gargalhadas do André são sempre absolutamente apropriadas ao momento

Quando abre a boca para rir, André revela uma inteligência fora do comum. Não existe a possibilidade, tenho comigo, de alguém rir tão bem, com tanta graça, se não tiver uma compreensão profunda da realidade. As risadas de um buda ou de um santo excêntrico, redondas, legítimas e tonitruantes, mas sem escândalo, deboche ou grosseria; o mais próximo, em um adulto, das risadas de um bebê que descobriu o valor das cócegas.

Mais que rir bem, porém, nosso avatar da divindade hilariante ainda consegue rir com facilidade. Uma boa piada, um comentário provocativo sobre o desempenho do time do coração no fim de semana, e o André desfila sua arte inconsciente. Às vezes, ri sozinho e a bandeiras despregadas em plena repartição, o que só não causa estranhamento porque, em questão de segundos, toda a vizinhança é contaminada e acaba rindo também. Os colegas, aliás, adoram instigá-lo apenas para desopilar o fígado.

Engana-se, porém, quem imagina que nosso personagem é só mais um homem de riso frouxo. Não é. A despeito de sua generosidade, jamais deu uma risada fora do lugar, forçada ou maldosa. Não que eu tenha visto. Suas gargalhadas são sempre absolutamente apropriadas ao momento, e isso apenas acrescenta elementos ao grande mistério. Que, de resto, acaba esquecido quando eu rio junto.

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