Sou 100% fã do século 18, mais exatamente daquele período frenético das revoluções burguesas e dos primórdios do Romantismo. Em nossos dias, a gente olha para os lados e acha o mundo excêntrico e perigoso; naquela época, a despeito da ausência de eletricidade, vacinas, internet, aviões, drones e outros babados tecnológicos, a coisa era quase tão assanhada quanto hoje, com a vantagem de um frescor e de um ímpeto adolescentes que já não possuímos.
O primeiro Dumas trazia um diferencial em relação a seus pares heroicos: era mulato
Pode-se imaginar, por exemplo, as ruas de Paris tomadas pelos jacobinos, os exércitos de Napoleão combatendo mamelucos no Egito e os minutemen americanos caçando soldados ingleses nos territórios das Treze Colônias. Cheiro de pólvora na neblina da manhã. Dá para conceber até mesmo a coisa se configurando para que, pouco tempo depois, no início do novo século, a família imperial portuguesa aportasse por estas bandas.
Pois essa história toda só entra nesta crônica porque estou lendo O Conde Negro, de Tom Reiss. Lançada há coisa de um ou dois meses no Brasil, a obra (que levou o Pulitzer de 2014 na categoria de biografias) resgata a história de Thomas-Alexandre Dumas, pai de Alexandre Dumas e general das guerras nascidas da Revolução Francesa. O cidadão era o verdadeiro personagem romântico: comandava incursões militares seguindo à frente de seus soldados, duelava e, de quebra, chamava a atenção do mulherio. E, a despeito dos horrores da época, era um humanista.
O primeiro Dumas, porém, trazia um diferencial em relação a seus pares heroicos: era mulato, filho de um nobre francês empobrecido e de uma escrava haitiana – seu sobrenome, aliás, foi herdado da mãe. Filho do Novo Mundo, viajou para a França e construiu uma carreira notável, tendo vencido, inclusive, o preconceito racial que também afetaria seu herdeiro imediato. Como arremate necessário para um perfil assim romântico, caiu em desgraça e morreu na miséria.
Ao pensar em Thomas-Alexandre Dumas, podemos resgatar nossos próprios heróis mulatos, figuras como os irmãos Rebouças, Machado de Assis e Cruz e Souza. Personagens que também transitaram na complexa fronteira entre dois mundos e superaram a imbecilidade das teorias racistas.
Eu teria imensa alegria em ver O Conde Negro transposto para o cinema. É bem possível, aliás, que isso aconteça em breve. Rezo apenas para que o filme venha desprovido dos vampiros e dos zumbis que “apimentam” muitas das produções históricas recentes. Enquanto a fita não vem, vale a recomendação de leitura.