Por muito tempo, a cidade de Tóquio possuiu um distrito dedicado exclusivamente ao entretenimento noturno. De casas de gueixas, bordéis e salões de jogos. Um lugar chamado – com aquela sutileza sublime que só mesmo a cultura nipônica pode oferecer – de “Mundo Flutuante”. Era para lá que flutuavam todos os marmanjos desejosos de um pouco de alegria corporal; era para lá, enfim, que afluía todo um imaginário pulsante e suarento represado pela moral do homem médio.
Curitiba, em certa escala, também possui seu “Mundo Flutuante”. Talvez, nessa escala literária, ele esteja apenas na minha cabeça, na do Luís Henrique Pellanda e nas de um bando de flâneurs. Talvez não. Ele fica na área da Rua Cruz Machado, onde há um bom tempo funcionam algumas das mais célebres boates da cidade. Que eu, como bom piá pançudo curitibano lambido de culpa cristã, só visitei em pensamento.
Pois outro dia, em um fim de manhã, circulei pela Cruz Machado. Fui com a prosaica missão de adquirir velas para um filtro d’água. Achei a loja, fiz a compra e, na volta, entrei em “modo flutuância” só para observar a região. Na verdade, afora os conhecidos medalhões – Café da Madrugada, Vegas, La Ronda e Metrô –, não há muitas outras casas noturnas (o Gato Preto, até onde sei, é um restaurante). Em uma zona de entretenimento, contudo, nem sempre as coisas são como parecem.
Ao meio-dia de um dia de semana, todas as boates – é lógico – são minúsculas
Fui caminhando até passar na frente de uma das boates. Que estava com as portas almofadadas abertas, provavelmente para a troca de ar ou, então, à espera de engradados de cerveja. E eu, é claro, enfiei a cara lá para dentro para ver se encontrava algo parecido com o night club sobrenatural de Um Drink no Inferno. Decepção: ao menos naquela hora, o lugar era tão comum como todo o resto. Pequeno e escuro, mas não o suficiente para ocultar um balcão, uma parede lotada de garrafas e um globo de espelhos. Se havia mais coisas lá para trás, não sei; provavelmente havia, mas, diante da possibilidade de que houvesse, fiquei na porta, mesmo. Nada, em síntese, de encontrar a Salma Hayek dançando de biquíni com uma serpente enrolada.
A resposta mais razoável para o estado das coisas seria a da hora. Ao meio-dia de um dia de semana, todas as boates – é lógico – são minúsculas. Há, também, um componente fantástico e fantasioso: ao meio-dia, com velas de filtro embaixo do braço, é quando descubro os limites de meu próprio imaginário literário. O verdadeiro mundo flutuante.
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