Como brasileiro avoado médio, fui pego de surpresa pela enormidade do trambique que envolve a empreiteira Odebrecht. Empresa, aliás, que desde sempre, santa ingenuidade, me pareceu pertencer a um universo distante, de obras extraordinárias e valores sobrenaturais. Coisa de livro do Frederick Forsyth, com pouca afetação sobre o dia a dia do homem comum.
Depois que o escândalo estourou, fiquei encafifado por um detalhe que, dada sua pouca importância, provavelmente passou despercebido pela maioria: o fato de uma empreiteira de nome “Odebrecht” florescer em plena Bahia. Típica preocupação do curitibano de raízes imigrantes: de que forma, então, um sobrenome assim germânico se afirmou, há tanto tempo e como uma empresa descomunal, em uma região que nunca foi um destino clássico da imigração alemã?
Daríamos uma crônica e um livro para testemunhar um diálogo entre o velho Emil e seu tetraneto Marcelo
Algumas hipóteses: o primeiro Odebrecht, quem sabe, seria um pomerano do Espírito Santo que, no fim do Império, resolveu empreender um pouco mais ao norte; talvez fosse um romântico que, seguindo os preceitos do Sturm und Drang, aventurou-se pelos trópicos com um punhal na cinta; talvez, possibilidade desencantada, a Odebrecht fosse apenas uma empresa que chegou à Bahia na própria modernidade, a partir de considerações puramente mercadológicas.
Pesquisando um pouco mais, encontrei a resposta: a Odebrecht nasceu em Salvador no ano de 1926, quando Emílio Odebrecht – pai de Norberto Odebrecht e avô de outro Emílio, o que agora está fazendo delação premiada e é pai de Marcelo Odebrecht –, depois de estudar Engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e trabalhar em Recife, decidiu montar uma firma em território soteropolitano.
A história da família, porém, é mais antiga e meridional, uma vez que o primeiro Odebrecht a chegar por aqui, Emil, em 1856, provavelmente entrou por São Francisco do Sul para se instalar no Vale do Itajaí, como milhares de imigrantes alemães. Engenheiro formado na Prússia, demarcou terras e, iniciando a família no segmento de obras públicas, construiu estradas. Morreu em Blumenau no ano de 1912, não sem antes ter tido 15 filhos – hoje, seriam mais de 1,3 mil descendentes –, fundado um teatro na cidade e lutado, como voluntário, na Guerra do Paraguai. Um pioneiro, enfim, digno de foto em qualquer casa da memória.
A pergunta filosófica resultante de toda a pesquisa, sobre o que o primeiro Odebrecht pensaria do que estamos vendo – da enormidade quase ficcional da empresa da família à enormidade real do dano que ela causou ao país e à democracia –, fica, é claro, sem resposta. No campo dos sonhos, enfim, daríamos uma crônica e um livro para testemunhar um diálogo entre o velho Emil e seu tetraneto Marcelo.
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