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Mesmo sem se dar conta, a pós-modernidade namora firme com aqueles estranhos conteúdos arcaicos que, desde sempre, assombram e encantam. A imortalidade e o retorno à vida, por exemplo, são temas recorrentes nos mitos e nos seriados da tevê. O argumento da volta à vida, seja pelo nobilíssimo motivo cristão ou por pura vontade de andar arrastando os pés e comer cérebros, é excelente para prender a atenção de boa parte do público.

Foi movido por essa força que, no fim de semana, resolvi assistir aos primeiros episódios do seriado The Returned, produção recente do Netflix. A história lembra os bons contos de Ray Bradbury: uma cidade minúscula no interior dos Estados Unidos, branca e protestante, começa a lidar com o acachapante retorno de pessoas que morreram há alguns anos. O complicado é que os “mortos-vivos” não vêm como era de se esperar, meio podrões ou cheirando a folhas secas e terra mofada; também não são frios, não têm mau hálito e nem adotam uma dieta do tipo “prefiro buchada de bode crua”. E nem ficam parados com cara de coisa ruim quando ninguém está olhando.

A imortalidade e o retorno à vida são temas recorrentes nos mitos e nos seriados da tevê

São apenas pessoas comuns, sangue quente e cheiro de sabonete, que, por um motivo não explicado até o episódio a que assisti, voltaram para retomar a vida do mesmo ponto em que haviam parado, inclusive com a mesma idade de antes. E que nem se dão conta do que aconteceu, pensam ter desmaiado, dormido além da conta ou coisa que o valha. O que acaba gerando um buchicho miserável pelo simples fato de que, entre os que ficaram, o rio seguiu seu curso – o luto veio e se foi, novas configurações familiares se formaram e até algumas doses a mais de uísque foram incorporadas aos hábitos do cotidiano.

Longe, muito longe, de abordagens horripilantes como a de William Jacobs em A Pata do Macaco ou a de Stephen King em Cemitério Maldito, mas igualmente incômoda, em um nível diferente. Sempre existe, é claro, a possibilidade de a coisa cair no argumento de que os redivivos são do mal e estão apenas tentando “dar um truque” na incauta parentela, caso em que teríamos apenas uma história velha com uma camada de parmesão por cima, ou de assumir coisas como realidades paralelas, inversões do tipo “os vivos é que estavam mortos” e descobertas de que os retornados são extraterrestres com ideias inconfessáveis. Pessoalmente, preferiria que eles ficassem como estão, sem ninguém saber de onde vieram e por onde andaram enquanto não estavam na cidade – até porque explicar a ausência ao fisco já é, per se, uma missão miserável. Aguardemos, pois.

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