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Rodrigo wolff apolloni

O resultado pedagógico de uma surra

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(Foto: Reprodução/YouTube)

Na semana passada, boa parte da sociedade chinesa parou para acompanhar um combate entre um lutador de MMA, Xu Xiaodong, e um professor de Tai-Chi-Chuan, Wei Lei. O lutador desafiou o professor, aplicou-lhe um nocaute em dez segundos e saiu bradando que o Tai-Chi era uma fraude.

Para muitos não chineses, imaginar o Tai-Chi como uma forma de luta e não como um caminho meditativo soa absurdo. Em chinês, porém, “Chuan” (”拳”) significa “punho”, representando uma modalidade de combate. Se somarmos a isso um histórico de mestres lutadores de Tai-Chi, temos a demonstração cabal da “tese marcial”.

O Tai-Chi, em especial quando de sua aproximação em relação à elite Qing (século 19) e de sua apropriação pelo Estado comunista, assumiu uma indelével característica de saúde, que, no entanto, não nega seu antigo viés marcial. O que produz e não produz uma boa contradição, que, na média, é contornada pelos praticantes – há Tai-Chi para todos os gostos, ainda que a preferência seja pela saúde.

Para muitos não chineses, imaginar o Tai-Chi como uma forma de luta e não como um caminho meditativo soa absurdo

A “sova” aplicada pelo lutador de MMA ao professor de Tai-Chi revela algumas coisas sobre a própria China. Em primeiro lugar, a prevalência de uma tensão histórica que repete dúvidas em relação à própria arte marcial surgidas após a Rebelião dos Boxers (1900) e na Revolução Cultural (1966-1973). Os chineses seguem debatendo a validade do próprio patrimônio marcial face à modernidade – o que não é ruim, desde que não signifique condenar todo um universo de cultura à vala do anacronismo.

Em segundo lugar, a história parece denotar um mal-estar em relação aos mitos de invencibilidade da marcialidade chinesa, que seguem propagados por parte da comunidade de praticantes. Em uma sociedade perpassada por um passado marcial e “aporrinhada” por mestres que vendem o próprio poder marcial escorados por uma orientação confucionista de não questionamento da tradição, isso é algo relevante.

A questão é saber o que os praticantes de Tai-Chi farão com isso. Há, sempre, a tese da falibilidade da demonstração – uma única luta, afinal, não prova a prevalência de um estilo marcial sobre outro.

Isso significa, então, que “estamos salvos” em relação à validade marcial do Tai-Chi? Não. Significa que, para trabalhar com honestidade, é preciso conhecer mais sobre a modalidade – história, elementos não corporais, aspectos marciais. Marcial, meditativo ou marcial-meditativo, o Tai-Chi-Chuan é suficientemente rico para sustentar a própria existência.

A “sova do MMA”, então, fica menos doída e se transforma em um chamado pedagógico para quem se amarra em Tai-Chi – meu caso há mais de 30 anos. O aparente inimigo, já dizia um velho ditado chinês, é o melhor professor.

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