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Caminhando por uma praia do sul de São Paulo, mais exatamente na região de Cananeia, divisa com o Paraná, encontro a ruína de uma velha estrutura arquitetônica do Brasil português. Obra de paredes grossas, erguidas com aquela argamassa quinhentista produzida na base de óleo de baleia, pedras e conchas, verdadeira muralha construída segundo a lógica defensiva dos primeiros colonizadores. Aqui e ali, fendas verticais que bem poderiam ter sido seteiras; no alto, restos de um beiral ornamentado e indícios de uma rosácea ou brasão. Perdido no meio do nada, o imóvel emana o estranhamento próprio das obras que deram um senhor trabalho e que, de tão bem feitas, acabaram resistindo às razões e ao desaparecimento de seus construtores.

Antigas construções nos atraem porque estão a meio caminho entre uma coisa e outra

Volto para Curitiba com a imagem na cabeça e a vaga lembrança de um texto escrito há mais de um século pelo filósofo Georg Simmel sobre o valor simbólico dessas construções. Pois Simmel ficou tão encafifado quanto eu com as velhas ruínas – ele vivia topando com estruturas romanas e medievais sem nome em sua Alemanha natal – e resolveu refletir a respeito.

Para o filósofo, essas antigas construções nos atraem porque estão a meio caminho entre uma coisa e outra. Não entre o passado e o presente ou entre a história e o que dela se perdeu, mas entre a cultura e a natureza. Segundo Simmel, quando olhamos para os restos de uma construção, inconscientemente percebemos como, aos poucos, a natureza vai retomando seu lugar. Uma samambaia irrompendo de uma fenda aqui, uma coluna coberta de musgo ali, quinas arredondas, tijolos soltos e, em alguns séculos, o que era um santuário grego há de se converter em um par de moitas sobre uma pilha de pedras.

O estranhamento e o maravilhamento não nasceriam, porém, do senso de dissolução, mas da percepção de que hoje estamos diante de algo raro, uma obra que traz tanto elementos da cultura, do esforço humano de transformar a natureza, quanto da própria natureza se esforçando para devolver as coisas ao seu estado original. Uma ruína, segundo Simmel, é uma espécie de “obra conjunta”, ainda mais perfeita porque deixada acontecer.

A mesma percepção, aliás, fez com que nas culturas da China e do Japão se desenvolvesse, ao longo dos séculos, uma busca pela beleza que reside no desbotado, no desgastado e naquilo que se integrou harmoniosamente ao cenário. Exatamente como a estrutura deixada pelos portugueses em uma praia deserta de Cananeia.

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