Com um título desses, seria de se esperar mais um artigo dando conta de que os anos vindouros serão uma desgraça. Para muita gente, afinal, a palavra "favela" evoca violência, promiscuidade e precariedade. Evoca pessoas e situações "indesejáveis", chanceladas pelas caras cobertas de trapos com um fuzil na mão vistas nos jornais. A favela, segundo esse conceito, reúne tudo o que não presta isso, a despeito de ser a única opção de vida de milhões de brasileiros.
Eis porque chama a atenção a opinião do ambientalista britânico David King, um dos mais respeitados da atualidade, ao afirmar, em entrevista à BBC, que o mundo deve aproveitar mais e melhor o conceito de favela. "Ele que monte um barraco e vá morar lá!", ouvi de uma pessoa quando falei a respeito. É o tipo da resposta filha da frustração com nosso país que sepulta a possibilidade de uma reflexão mais fria.
É lógico que, ao defender a ideia, David King não está abrindo os braços para as mazelas que vemos nas favelas. O crime, a insegurança e a insalubridade desses ambientes são indefensáveis, assim como me parece indefensável acreditar que tais problemas surjam porque seus moradores sejam "um bando de vagabundos" ou porque se organizem "livremente" no espaço geográfico. Os problemas surgem porque essas pessoas são vistas como cidadãos de segunda classe pelos governos e pela própria sociedade.
Dito isso, podemos chegar às percepções do professor emérito de Cambridge: David King valoriza o caráter orgânico e localista das favelas, a forma como, na falta do poder público, os indivíduos se organizam e dão respostas aos seus desafios urbanos. O que, segundo ele, evita o planejamento vertical cego e surdo que aterra nascentes, rasga avenidas, mata a identidade e as potencialidades locais.
As favelas, na opinião do cientista, são irmãs das cidades medievais, hoje vistas como locais de sociabilidade, preservação do patrimônio histórico e estímulo aos trajetos a pé ou de bicicleta. Tudo, lá, está perto: os problemas, as soluções e, especialmente, as pessoas. Algo que deve ser valorizado pelos gestores.
Em certa medida, as mesmas características aparecem em comunidades do Rio de Janeiro, que trocaram a precariedade do passado por uma realidade mais sustentável e solidária. Isso, sem a espera pelo poder público.
Para mim, as palavras de David King fazem sentido porque evocam possibilidades dignas de observação e colocam em xeque o pensamento simples. Estamos felizes em nossas cidades? David King propõe uma boa reflexão. Isso, é claro, pode ser apavorante.
P.S.: Pensadores como Boaventura de Sousa Santos e Michel Maffesoli seguem pelo mesmo caminho de David King. Sinal de que vale a pena ficar atento à questão.
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