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Nem todos que pertencem à raça dos número dez jogam com a número dez. O dez da Inglaterra, Beckham, joga com a sete. O dez da Alemanha, Ballack, joga com a treze. O argentino Riquelme nem me lembro, acho que é com a oito. Não é o número da camiseta que distingue a raça dos dez, é a função. Mas a função mudou com a evolução – alguns diriam a involução – do futebol.

No tempo do dez prototípico, modelo da raça, Pelé, a função tinha um nome que a definia. Ponta de lança. O Pelé do Santos que entrava na área fazendo tabelinha (outra arte perdida do futebol) com o Coutinho era um "ponta de lança". Foi o próprio Pelé, na seleção vitoriosa de 70, quem institucionalizou a mudança de característica dos dezes. Ele fez muita jogada aguda de área naquela Copa, algumas memoráveis, e a tarefa convencional de "distribuir" o jogo era de Gerson e Rivelino, mas Pelé também jogou atrás, comandando a retomada da bola e encaminhando o contra-ataque. Era um ser híbrido, um transitório, metade lança e metade lançador. E inaugurou a raça atual.

Entre os seus seguidores, houve os que continuaram sendo pontas da lança – o Zico, por exemplo – e os que abdicaram do título e foram usar seu talento como centralizadores e distribuidores no meio, só aparecendo na grande área quando a saudade era irresistível. Hoje Beckham, Ballack, Riquelme, Zidane, o Appiah de Gana, etc. estão todos atrás, escolhendo os caminhos do ataque e o municiando com lançamentos. Empunham a lança e só de vez em quando – chutando de longe, com bola parada como Beckham no último jogo da Inglaterra, ou numa visita de surpresa à área como Zidane no último jogo da França – fazendo o que era a vocação natural dos pontas de lança, nos primórdios da raça. Gols.

O que nos trás ao Ronaldinho Gaúcho. Num recente e simpático encontro com o Parreira, durante o qual a Cora Ronai ficou sabendo mais sobre a lei do impedimento do que, aparentemente, a maioria dos bandeirinhas desta Copa, perguntei se o Ronaldinho não estava tentando suas conhecidas estocadas área a dentro por determinação tática ou por outro tipo de inibição. Parreira disse que Ronaldinho estava livre para fazer o que quisesse. Mas também falou, em outro contexto, sobre jogar com responsabilidade e jogar com irresponsabilidade. Talvez Ronaldinho esteja compenetrado demais das suas responsabilidades como dez, sendo atualmente o membro mais notório da raça, e esquecendo seus outros talentos. De qualquer forma, agora é a hora de se desinibir.

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