Sou oftalmologista e posso afirmar que realizar um transplante de córnea representa a maior conquista humanitária que se pode alcançar em minha especialidade. O transplante significa a medicina ajudando os homens a transcenderem a morte. É a celebração da vida em sua essência.
A córnea é uma lente transparente que fica na frente da íris, a parte colorida do olho. Por suas características peculiares, ela não é irrigada por sangue. Assim, pode ser retirada para o transplante até 12 horas após a parada cardíaca. A cirurgia é rápida, realizada com anestesia local, em aproximadamente 40 minutos. Além disso, não deixa o corpo do doador defeituoso, nem provoca alteração na fisionomia dos olhos. Não existe a necessidade de remoção do doador para local especial, somente a córnea é retirada, não o olho todo. Também não importa se esse doador tem miopia ou astigmatismo; ou se possui entre 20 e 80 anos de idade.
Basta apenas que ele seja solidário, pois o seu exemplo humanitário contribuirá para acabar com um drama, cujos números são preocupantes e fazem parte de um cenário incompatível com os avanços registrados na medicina.
Dados atualizados do Ministério da Saúde apontam que, de janeiro a junho de 2008, o número de transplantes registrou aumento de aproximadamente 20% em comparação a igual período do ano passado (6.207 transplantes, contra 4.991). Isso representa um importante avanço, mas que precisa ser analisado com cautela. Enquanto em estados como São Paulo está zerada a fila para o transplante, em outros o número dessas cirurgias ainda é muito pequeno para a demanda de pessoas que espera por um gesto solidário para voltarem a enxergar.
No Paraná, os dados mostram crescimento das doações, mas ainda muito abaixo do necessário. Outro dado que chama atenção é o índice elevado de transplantes que deixaram de ser realizados, pela simples recusa da família em concordar com a doação. Segundo levantamento da equipe de abordagem familiar do Banco de Tecidos Oculares do Hospital de Clínicas da UFPR, 90% das famílias, quando abordadas somente no momento do falecimento de um parente, se recusam à doação das córneas. Esses indicadores contribuem para aumentar a permanência dos candidatos aos transplantes nas filas, o que nos faz refletir sobre a necessidade das campanhas de conscientização.
Para muitas dessas pessoas, a constante luta contra o tempo não existiria se 10% dos familiares que perdem seus entes queridos doassem as córneas para fins de transplantes.
Com o objetivo de mudar esse cenário, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia está lançando a campanha "Desta vida você não leva nada, mas pode deixar. Doe córneas".
Um dos principais objetivos da campanha é mostrar à população que quem autoriza a doação exercita na forma mais plena a sua cidadania em prol da vida. Demonstra a sua generosidade e a sua solidariedade no mais alto grau.
Hamilton Moreira é presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).