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Encontrei o livro numa livraria de língua inglesa em Munique. O título era irresistível: Nabokov’s Shakespeare. O William Shakespeare de Vladimir Nabokov! Escrito por um americano de quem eu nunca tinha ouvido falar, Samuel Schuman, especialista em Nabokov e ex-presidente da Sociedade Internacional Vladimir Nabokov, que eu também não sabia que existia. O que Schuman faz no livro é catar todas as referências a Shakespeare na obra de Nabokov e descobrir paralelos nas peças de um nos romances do outro. Levando o leitor, numa viagem de prospecção intelectual fascinante, a descobertas insuspeitadas.

Você imaginaria que o Lolita do Nabokov tem muito a ver com A tempestade, de Shakespeare? As alusões do russo ao inglês que Schuman encontra às vezes aparecem como ouro em areia lavada, só visível a olhos treinados e exigindo algum esforço, e às vezes são explícitas. Só um exemplo: o predador Humbert Humbert do Nabokov, um monstro assumido tanto quanto o Caliban do Shakespeare, diz que meninas da idade da sua presa Lolita "não são humanas, mas nínficas (isto é, demoníacas)" e habitam, metaforicamente, o que ele descreve como "uma ilha encantada, que assombram, rodeada por um mar vasto e brumoso" – o que é exatamente a descrição da ilha mágica em que Próspero se despede da vida, na peça em que Shakespeare – que não escreveria mais nada depois – se despede do público.

Além de A tempestade, quase todas as peças de Shakespeare forneceram citações a Nabokov, algumas escondidas e outras à tona, e cada uma tem seu capítulo no livro de Schuman. O capítulo mais longo trata de Hamlet, que era a peça preferida de Nabokov. Sabe-se muito pouco sobre a vida de Shakespeare, e ninguém pode dizer ao certo o que é verdade ou invenção no pouco que se sabe.

Nabokov – para quem Hamlet era "provavelmente o maior milagre da história da literatura" – gostava de uma história sobre o Shakespeare ator, mesmo sem poder saber se era fato. Shakespeare teria interpretado o fantasma do pai de Hamlet, que aparece no começo da peça e pede que seu filho vingue sua morte. (quando perguntaram ao Nabokov que cena ele gostaria de ver filmada um dia, ele respondeu: "Shakespeare no papel do fantasma do rei"). Para Nabokov, Shakespeare só queria se apropriar da última fala do fantasma, antes de voltar para a noite da morte:

"Adieu, adieu, adieu. Remember me. Remember me."

Lembrem-se de mim... Shakespeare não precisava ter se preocupado.

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