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Pertenço a várias minorias (como a dos sem-celular, por exemplo), mas a menor delas é a dos ignorantes em Harry Potter. Não li os livros, não vi os filmes, não sei quem são os personagens e quais são os seus poderes – minha ignorância é completa e, a esta altura, irreversível. Alguns me dizem que não vale a pena tentar remediá-la para pelo menos poder entender tanto entusiasmo, porque no fundo é muito barulho por nada. Outros me asseguram que não sei o que estou perdendo. Seja como for, não deixa de dar um calor bom na barriga o espetáculo de crianças invadindo livrarias em hordas para não perder o lançamento de um livro. Não um videogame ou um robô que se transforma em canhão, mas um livro. E dos grandes.

Mesmo que Harry Potter seja, hoje, menos um fenômeno literário do que um fenômeno de "marquetchim" – não são apenas os livros e os filmes que fazem sucesso, o sucesso deles faz ainda mais sucesso – o fato é que as crianças estão invadindo as livrarias. Nós que gostamos de livros deveríamos torcer pelo livro sempre. Qualquer livro, não importa gênero ou conteúdo. Livros vendidos significam livrarias satisfeitas, editoras faturando, escritores sobrevivendo e – quem sabe? – compradores do Paulo Coelho tropeçando, na saída, num Rubem Fonseca ou num Moacyr Scliar e decidindo levá-los também. O Paulo Coelho é outro exemplo de fenômeno, literário ou extraliterário, que merece aplauso. Você não precisa ler o que ele escreve para sentir um assomo de orgulho, do chamado ufanismo irrefletido, ao entrar em qualquer grande livraria do mundo e dar com uma estante inteira dedicada só a, que diabo, um escritor brasileiro.

O "best-seller" leva gente para as livrarias, o que é ótimo. Outra questão é se ele rouba espaço de literatura menos badalável nas livrarias e nas editoras, como as grandes produções de cinema americanas tiram o ar dos concorrentes no mercado brasileiro. Livros como os do Harry Potter equivaleriam aos filmes arrasa-quarteirões que não deixam nada para os outros. Mas não sei se o paralelo cabe. As pessoas não ficam no cinema para ver o filme brasileiro depois de ver o superlançamento americano, mas há a esperança que alguns da multidão que foi comprar o último Harry Potter fiquem na livraria, ou voltem para comprar outros livros. E o sucesso de vendas de um livro permite à indústria editorial investir em mau-sellers – uma relação que não existe entre os sucessos de Hollywood e o cambaleante cinema brasileiro.

No fim fica só um ressentimento com Harry Potter: que ainda não exista uma brasileira ou um brasileiro capaz de atrair hordas de crianças para dentro de livrarias como a sua autora. Ainda não se descobriu a mágica.

Falando em CBB, ou calor bom na barriga, não deixe de ver o "Saneamento básico, o filme", do Jorge Furtado. Pela engenhosidade da história, pela simpatia do elenco, pela perseverança e a garra do cinema brasileiro.

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