Escritores como Balzac e Dickens publicavam seus livros em capítulos na imprensa, no caso do Dickens em revistas que ele mesmo editava e que algumas vezes só continham o seu trabalho. A popularidade de Dickens era imensa. Multidões impacientes iam ao porto de Nova Iorque esperar os navios que chegavam da Inglaterra com novos exemplares dos seus folhetins, e só se pode imaginar a angústia que era depender de ventos e correntes marítimas para saber quem matara uma Thaís da época. Como o Gilberto Braga, Dickens também recebia sugestões do público sobre o que fazer com seus personagens e como direcionar suas tramas. Ítalo Calvino escreveu que essa interação entre público e autor não vinha de uma confusão de ficção com realidade, mas da velha comunhão tribal em torno das primeiras fogueiras com os primeiros contadores de histórias, uma tradição que sobreviveria à substituição da narrativa oral pela escrita e bem mais tarde a da fogueira comunitária pela televisão. O próprio Dickens reforçava a analogia e, transformado em celebridade pelo sucesso e valendo-se da sua vocação de ator frustrado, lia suas histórias em público na Inglaterra e suas províncias e nos Estados Unidos, podendo sentir ao vivo a reação às suas criações e o poder encantatório da sua arte antiga. E, sem dúvida, ouvir protestos e palpites sobre suas narrativas. Olha aí, Gilberto: uma idéia. Que você pode tomar como uma receita para a loucura.
Já disseram que aprende-se mais sobre a Europa, e principalmente Paris, do começo do século dezenove na ficção de Balzac do que no trabalho de qualquer historiador ou sociólogo. Balzac fez de Paris não apenas cenário, mas personagem dos seus livros, e lá estão, além da aristocracia e do povão com seus modos e diferenças, as pretensões, as manias, até as gírias da época. Seria demais dizer das novelas de televisão sobre o Rio, que mesmo feitas por um especialista em Rio como Gilberto Braga são muitas vezes simplistas e improváveis, o que (de novo) Calvino disse de Balzac, que sua obra é uma espécie de topografia moral de Paris, que nela a cidade se transforma em linguagem e ideologia, mas não é improvável que no futuro se descubra a topografia moral do Rio desta época numa novela popular. E certamente não faltará quem dirá que seus autores foram os Dickens e Balzacs do seu tempo.
No fim, admirável mesmo é esse gosto nacional pela narrativa, esta reunião em torno de uma fogueira eletrônica para ouvir histórias que no Brasil se repete mais do que em qualquer outro lugar do mundo. E no horário nobre!
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