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Uma vez fizeram um filme sobre os "Harlem Globetrotters" em que eles disputavam e ganhavam um campeonato nacional de basquete. O campeonato era só por conta do enredo e para efeito dramático, pois o que os "Globetrotters" faziam na vida real – e fazem até hoje – era jogos de exibição, correndo o mundo com seu show em que o malabarismo dos jogadores e o divertimento do público importavam mais do que os resultados. Nunca disputaram um campeonato, ou sequer jogaram uma partida, a sério. Não sei se ainda é assim, mas na última vez que os vi atuar foi contra um time quase exclusivamente de brancos, que viajavam com eles e cujo papel no show era o de bobos consensuais. Além do prazer de ver o virtuosismo dos negros com a bola, tinha-se o prazer adicional de vê-los pondo os brancos na roda. Especulava-se então se a) os "Globetrotters", com suas brilhaturas e seus truques, seriam invencíveis ou facilmente derrotados em jogos para valer contra adversários não-coniventes – levando-se em conta que muitos dos seus truques nem eram permitidos pelas regras do basquete – ou b) demoraria muito para que os adversários reagissem ao malabarismo irreverente e partissem para o pau.

Essa questão do Kerlon e do Coelho (para quem acordou agora: o atacante do Cruzeiro que quis entrar na área inimiga quicando a bola na cabeça como uma foca amestrada e o defensor do Atlético Mineiro que o mandou longe) tem conotações que ultrapassam o feio fato. O que o Coelho, sem saber, quis dizer com o seu tranco foi que trazendo aquele tipo de exibicionismo de pátio de escola, ou de "Harlem Globetrotter", para um jogo sério o Kerlon estava transgredindo uma regra tácita da irmandade boleira, a que proíbe humilhar um irmão. O Kerlon poderia retrucar que trazer a bola rente à cabeça só difere de trazê-la presa no pé porque são extremidades diferentes, e que qualquer recurso é recurso para avançar com a gordinha. Não faz muito se viu o Pato conduzir a bola com repetidos dar-de-ombros para mantê-la no ar – a única maneira de tirar a bola dele seria tirar a cabeça junto. No fim está se discutindo o limite entre a frivolidade potencialmente ofensiva e o uso legítimo de habilidade superior por quem a tem. O Coelho foi mártir de uma boa causa, defendendo a seriedade do jogo, ou apenas um ressentido revoltado com a superioridade do outro? Mais um passo e Kerlon teria sido derrubado dentro da área: o pênalti consagraria a jogada de foca e destacaria ainda mais a grossura – ou o sacrifício pelo respeito, escolha você – do Coelho.

A perspectiva de ver mais jogadas do repertório do Kerlon e de outros habilidosos inspirados por ele levará gente aos estádios, e não se quer outra coisa. Mas é o Coelho que fica como personagem mais intrigante desse episódio.

Qual dos dois tem razão? Vai ser interessante ver como serão futuros encontros de focas e coelhos no futebol brasileiro.

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