Da sua fundação até a eleição de Andrew Jackson em 1829, a república dos Estados Unidos da América foi presidida por seis aristocratas. Entre eles cinco dos autores da sua constituição, o primeiro contrato social republicano da História, que incluía o que depois seria chamado (por Gore Vidal) de "divino remendo", a Carta dos Direitos, mas também uma desproporcional preocupação com o direito de propriedade não fossem todos os seus signatários proprietários rurais, além de escravocratas. As credenciais dos primeiros presidentes da nova república como teóricos da democracia em especial as de Thomas Jefferson, o mais intelectual dos fundadores eram intocáveis. Mas foi o sétimo presidente quem pos à prova a teoria e, para todos os efeitos históricos, inaugurou a democracia americana. Andrew Jackson foi posto na Casa Branca por um movimento popular, e mais pela sua personalidade do que pela sua procedência. Fundou o que até hoje chamam por lá de "jacksonian democracy", para a distingui-la da primeira fase, teórica, da democracia, ou enfatizar sua diferença de outros modelos republicanos nem sempre como um elogio.
No México, Benito Juárez também foi um primeiro. No seu caso, o primeiro mexicano com cara de mexicano autêntico a chegar ao poder desde a conquista espanhola. Mais importante do que seus períodos na presidência foi a sua cara, e o que ela simbolizava. Índios, meio-índios e não índios se alternaram no poder depois de Juárez, mas o que a primeira eleição, em 1858, de alguém cuja língua original fora o zapoteca significou para a consciência mexicana se vê até hoje na mitificação da sua figura, e não apenas nos murais de Rivera e Siqueiros. Como Jackson, Juarez foi um inaugurador.
A comparação entre os dois termina aí. Juárez tentou modernizar o México, enfrentou os latifundiários e o poder da Igreja além de invasores franceses e a influência do grande e metido vizinho do norte. Ou seja, não foi apenas uma carranca bonita. Jackson fez a sua reputação e ganhou sua popularidade como militar particularmente truculento, arrasando ingleses e índios com o mesmo gosto, e acabou um senhor rural, dono de escravos, como os aristocratas que desprezava e o desprezavam. Ele, sim, foi apenas um símbolo. Mas tanto o México quanto os Estados Unidos se beneficiaram do ineditismo que os dois representaram em suas histórias.
É difícil dizer se o Lula está fundando alguma coisa. Se depois dele virá algo melhor, pior, a mesma história de sempre ou o dilúvio. O tamanho dessa reação ao inédito que ele representa na nossa política também é difícil de interpretar. É reflexo condicionado do conservadorismo ameaçado, é uma repulsa justificada e terapêutica ou é apenas o Brasil, como sempre, deixando para fazer depois (como no caso da absolvição da escravatura) o que outros países fizeram há tempo? Sei lá.
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