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Winston Churchill não era flor que se cheire. Ou, como diria o Millôr na língua dele, "a flower you can smell". Recomendou que se usasse gás venenoso contra os curdos – como, anos depois, fez o Saddam – e era um entusiasta da guerra química. Mas isso foi na sua juventude, quando atrocidades contra povos exóticos não causavam tanta discussão na metrópole. Em vez de enforcado, Churchill se transformou no grande estadista cujas atitudes e frases ajudaram a resistir ao nazismo e inspiraram uma nação na sua melhor hora. Seus charutos, suas bochechas de bebê e, acima de tudo, sua retórica triunfante sobreviveram a todas as lembranças de um passado não tão glorioso e lhe garantiram uma posteridade confortável.

Mas uma das frases mais famosas de Churchill não tem nada a ver com seus discursos de guerra. É aquela em que ele afirma que a democracia é o pior sistema de governo disponível, com exceção de todos os outros. O velho aristocrata, ele mesmo um exemplo do ideal ciceroniano de poder de casta, dizendo que a democracia é falha, insuficiente, irritante, confusa, difícil e provavelmente antinatural, mas ainda é melhor do que todas as suas alternativas possíveis. Uma frase que precisa ser repetida de tempos em tempos, principalmente em países, como o Brasil, que já experimentaram as alternativas mas às vezes parece que esqueceram. Porque aqui desesperar da democracia vai se tornando cada vez mais tentador.

Renan Calheiros disse que o que houve no Senado fechado na quarta-feira foi uma vitória da democracia. Não foi. O processo de votação pode ter sido formalmente democrático, apesar de escondido, mas se há algo que vem acumulando derrotas nos últimos tempos entre nós, culminando com a da última quarta-feira, é a democracia. A cada nova desmoralização de políticos e política ela apanha mais um pouco. Há quem diga que o fato de ainda estar de pé, mesmo que só formalmente, é um bom sinal: em outros tempos ela já estaria na lona e a alternativa estaria nas ruas. Mas a surra continua. Como nas lutas de boxe em que só um lado apanha, sem defesa, sem reação possível – e o pior, sem torcida – não é um espetáculo bonito.

Em cena

Trazer ao Brasil pela primeira vez o legendário "Théâtre du Soleil" da Ariane Mnouchkine é apenas um dos feitos do "14.º Porto Alegre em Cena", que começou no dia 10 e até o fim de setembro transforma a capital gaúcha na capital nacional e (por que não?) continental do teatro. Mais de 60 espetáculos brasileiros e mundiais, incluindo o grupo de dança japonês "Sankai Juku", o bailarino Julio Bocca, Antunes Filho, Zé Celso Martinez Corrêa e cerca de 800 outros diretores, atores, bailarinos e técnicos farão mais de 130 apresentações em 14 teatros e espaços alternativos, onde também estão acontecendo oficinas, debates, exposições e lançamentos de livro. E festas, que todos merecem.

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