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Uma das muitas cenas memoráveis do imperdível filme "Brasileirinho" do diretor finlandês Mika Kaurismäki é a do Guinga contando como nasceu a música "Senhorinha", dedicada à sua filha. Depois Zezé Gonzaga canta a música. Quem não se emocionar deve procurar um médico urgentemente porque pode estar morto. "Senhorinha" tem letra de Paulo César Pinheiro e é uma das coisas mais bonitas já feitas no Brasil – e não estou falando só de música. O filme todo é uma exaltação do talento brasileiro, da nossa vocação para a beleza tirada do simples ou, no caso do chorinho, do complicado, mas com um virtuosismo natural que parece fácil. Recomendo não só a quem gosta de música mas a quem anda contagiado por sorumbatismo de origem psicossomática ou paulista e achando que o Brasil vai acabar na semana que vem. Não é a música que vai nos salvar, claro. Mas passei o filme todo vendo e ouvindo o Guinga, o Trio Madeira Brasil, o Paulo Moura, o Yamandu, o Silvério Pontes, a Elza Soares, a Teresa Cristina, a Zezé Gonzaga (e até a Ademilde Fonseca!) e pensando: é essa a nossa elite. Essa é a nossa nobreza popular, a que representa o melhor que nós somos. O oposto do patriciado que confunde qualquer ameaça ao seu domínio com o fim do mundo. Uma das alegrias que nos dá o filme é constatar que o chorinho, longe de estar acabando, está se revitalizando. Tem garotada aprendendo choro hoje como nunca antes. Substitua-se o choro pelo Brasil que não tem nojo de si mesmo e pronto: a esperança vem por aí.

Parafraseando o Chico Buarque: Contra desânimo, desilusão, dispnéia, o trombone do Zé da Véia.

Uma vez perguntaram ao grande cartunista Chuck Jones, autor do Pernalonga entre outros clássicos do desenho animado americano, por que ele desenhava bichos em vez de gente. Jones respondeu que era mais fácil humanizar animais do que humanizar humanos. A série de filmes sobre o agente da CIA Jason Bourne que chega à sua terceira parte com "O ultimato Bourne" prova a tese. Tenta humanizar o homem, dando-lhe remorso e dúvidas filosóficas em meio à matança, mas "Ultimato" é o filme da série em que ele mais se parece com outra criação do Chuck Jones, aquele "Road Runner" hiperativo que ninguém consegue pegar. Um humano difícil de humanizar. A série mantém uma curiosa tradição de outros filmes do gênero, que é a de semi-satanizar a CIA sem condená-la por completo. A CIA é como o colesterol, existe a boa e a má e descobrir a diferença é um dos desafios de Bourne. Deve vir um quarto filme aí e então descobriremos se na volta Bourne continuará outra tendência, esta mais recente, pois começou com o último James Bond: a de heróis em crise de consciência. Com licença para se angustiar. Seja como for, consciência é sempre uma boa novidade, dentro ou fora do mundo dos agentes secretos.

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