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Não há dúvida de que muito se fez nesses 18 anos em que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, se apresentou como uma das mais importantes ferramentas de trabalho das organizações defensoras dos direitos desse segmento da população. Apesar disso, temos consciência de que entre a lei e a sua implementação há um enorme vácuo a ser preenchido.

A verdade é que a realidade para milhões de crianças e adolescentes continua dramática. Houve avanços, não podemos negar. Mas os indicadores ainda são cruéis: dos 21 milhões de crianças entre zero e 6 anos, 56%, ou seja, quase 12 milhões, vivem abaixo da linha da pobreza, em famílias com renda mensal per capita abaixo de meio salário mínimo. São dados da Pnad 2006. Nessa mesma situação vivem mais de 18 milhões de adolescentes brasileiros com até 17 anos de idade.

A taxa de mortalidade infantil vem caindo; é um fato. Baixou de 46,9 por mil nascidos vivos, em 1990, para 24,9 em 2006. Mas, e daí? Nossas crianças continuam morrendo.

Sem falar que nada menos de 400 mil crianças, das 3 milhões que completaram 1 ano de idade em 2006, nem cidadãs podem ser consideradas, já que não têm registro de nascimento.

Apenas 17,1% das crianças de zero a 3 anos freqüentam creches no país. Isso quer dizer que, de um total de 13,8 milhões de brasileirinhos nessa faixa etária, mais de 11 milhões têm seu direito negado. E sabendo da importância que a educação tem nessa etapa da vida, podemos imaginar as conseqüências de tal déficit no futuro dessa população.

Outra bomba: 1,3 milhão de crianças e adolescentes com idade entre 7 e 14 anos não sabem ler nem escrever, conforme dados da Pnad 2007, embora os índices oficiais mostrem que o ensino fundamental foi praticamente universalizado no Brasil.

A violência continua a vitimar milhões de crianças e adolescentes debaixo do nosso nariz e a tendência é que aumente ainda mais caso as providências devidas não sejam tomadas. Segundo a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, no primeiro semestre de 2008, o número de denúncias registrado pelo Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, o Disque 100, aumentou em 78% em comparação com o mesmo período do ano passado: passou de 11.200 (63 por dia) no primeiro semestre de 2007, para 20.100 (93 casos por dia) nos primeiros seis meses deste ano. E se essa média se mantiver, a previsão é que até o fim desse ano tenhamos 25,5 mil registros ano.

Temos consciência de que o governo não reverterá essa situação sozinho. Acreditamos que somente com o esforço coletivo, que demanda compromisso e ação, do setor público e privado, das organizações sociais, das famílias e comunidades, podemos, de fato, transformar a ainda difícil realidade das nossas crianças e adolescentes. E nisso, a Fundação Abrinq tem um importante papel.

A urgência da necessidade de a sociedade brasileira repactuar o seu compromisso com a defesa e a garantia dos direitos da população infanto-juvenil inspirou a realização do Congresso Brasileiro dos Direitos da Criança e do Adolescente, iniciativa da Fundação Abrinq, para avaliar os avanços e desafios nas políticas em favor da infância e da adolescência após 18 anos da promulgação do ECA.

O Brasil, definitivamente, ainda não assumiu os seus filhos, uma tarefa que cabe a toda sociedade, pois eles – crianças e adolescentes – são filhos de todos nós. São filhos do Brasil.

Synésio Batista da Costa é presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente.

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