• Carregando...

Neste canto idílico da Alemanha em que estamos se vê muitos imigrantes, mas é difícil imagina-los como problemas. Parecem bem integrados na paisagem social – pelo menos para quem está de passagem, sem muita informação. Mas a questão dos imigrantes divide cada vez mais a Europa e é politicamente vital porque atravessa ideologias e partidos. Sindicalistas de esquerda se unem ao patriciado de direita, liberais ponderados a neonazistas boçais, na convicção de que é preciso fazer alguma coisa para estancar a invasão da Europa, ou da parte desenvolvida do hemisfério norte, pelo resto do mundo. Seja para assegurar o mercado de trabalho, as culturas endóginas ou a sobrevivência da raça branca, a onda anti-imigração é reacionária. Nega às pessoas a liberdade que tem o capital de ir e vir como bem entende e se instalar onde acha que vai se dar melhor. Mas é uma questão imune à razão e aos bons sentimentos, que só piorou à medida que a pele dos invasores foi escurecendo.

Há alguns anos a migração humana na Europa era interna e branca: italianos, gregos, portugueses e espanhóis fugiam das suas respectivas crises econômicas e ocupavam a Europa mais próspera. Italianos morrendo de frio e de saudade da mama em impiedosos países nórdicos chegou a ser um bordão dramático, e cômico, do cinema da época. Uma vez estive numa cidade do interior da Alemanha em que, para uma população de mais ou menos 30 mil, havia 39 restaurantes gregos. Esse tráfego interno diminuiu com melhores condições econômicas na Itália e na Grécia e com a absorção da península Ibérica pela Europa mas a esta altura imigrantes legais ou ilegais de pele escura, da Turquia, da África, da Ásia, do Caribe – cujos precursores tinham sido os súditos de antigos impérios coloniais como o inglês, o francês e o holandês, vindos à metrópole como filhos bastardos para reclamar sua herança – já começavam a chegar em hordas, e a enfrentar preconceitos mais viscerais, portanto mais invencíveis. Hoje a Itália, que exportava mão de obra sem perspectiva, atrai imigrantes, e os recebe com variados graus de xenofobia e racismo. Os brancos do hemisfério norte procriam cada vez menos, a população de pele escura se multiplica, desse desequilíbrio e da luta por empregos que escasseiam cresce a reação generalizada. E as ameaças fascistas.

Mas com todas as notícias da intolerância crescente, a impressão que fica no visitante – inescapavelmente superficial, ainda mais se você está prestando mais atenção no pé do Ronaldo do que no ambiente – é de que a nova Europa é um exemplo de bom convívio possível entre desiguais e de integração cultural. Em países como a França e a Inglaterra, além da Alemanha, os vislumbres que se tem são de uma experiência que funciona, apesar de todos os temores e ódios. Claro, os estrangeiros trabalham por menos e aceitam qualquer emprego, são as leis impessoais do mercado, e patrões aproveitadores, não a harmonia universal, que explicam a cacofonia. Mas ela não deixa de ser admirável. O sotaque hoje é a língua comum da Europa.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]