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Veríssimo

Os meios e os fins

Não faz muito, cientistas conseguiram aumentar a velocidade da luz, que é de 300 mil quilômetros por segundo. Um feixe de luz produzido em laboratório atravessou uma câmara cheia de gás césio com tanta rapidez que chegou ao outro lado antes de ter saído, ou saiu antes de ter entrado! Foi outra certeza científica irrefutável – a da velocidade da luz num vácuo como a máxima velocidade possível e uma das constantes invariáveis na Natureza – refutada. A explicação dos cientistas é que um pulso de luz é formado por ondas e os átomos do gás césio resfriado, usado na câmara, ampliaram a freqüência das ondas mais do que qualquer outro meio de propagação conhecido, e mais até do que o vácuo, teria conseguido.

Um experimento parecido poderia ser feito no Brasil substituindo-se feixes de luz por escândalos e medindo a sua duração, segundo o meio que atravessam. Aqui há escândalos que terminam antes de começar, ou então começam e, misteriosamente, desaparecem no caminho. Outros perduram, crescem, vão, voltam e exigem explicação. A diferença entre um fenômeno e outro é a natureza do meio. Num caso, em vez de conduzir o fato ao seu desfecho natural, o meio o absorve, desvia, engaveta ou mata. Foi o que aconteceu com freqüência num passado recente, em que o equivalente ao gás césio resfriado era um conluio de interesses arraigados, conivências tácitas, polícia omissa e imprensa amiga que não deixou nenhum escândalo chegar ao outro lado, ao esclarecimento e à conseqüência, ou sequer aparecer. No outro caso, o meio de propagação é um gás de interesses contrariados, conveniências tácitas, polícia ativa e uma imprensa não tão amiga que faz os escândalos aparecerem.

Mas como tanto os escândalos abafados do passado quanto os gritantes de hoje têm um destino comum, não dão em nada, a analogia talvez esteja errada. O que prejudica a passagem do fato para o efeito e do crime para o castigo não é o meio de propagação, é o vácuo moral em que nos acostumamos a viver, com tanta impunidade acumulada e tão cinicamente defendida. Teríamos chegado a um ponto em que investigação completa e punição certa de qualquer caso escandaloso pareceria uma coisa até meio, sei lá, antinatural.

Falando em escândalos. Nos Estados Unidos o lóbi é uma atividade institucionalizada e regulamentada. Existem profissionais do lóbi trabalhando em empresas especializadas com escritórios montados dentro do poder – ou pelo menos no "lobby" do poder – cuja própria ostentação faz parte do seu potencial de persuasão. Quanto menos discreto o lóbi, mais rico e mais influente. O lóbi dá a interesses especiais com dinheiro um poder sobre o poder desproporcional ao do pobre eleitor, que só vota, e assim mesmo de vez em quando. É a negação de qualquer ideal de representatividade democrática, quando não é o seu escárnio. Mas isso depende de como você vê essas coisas ("coisas", aí, incluindo a legitimidade que o exemplo americano dá a qualquer costume político entre nós). O lóbi também pode existir como uma presunção de governantes e legisladores, se não honestos, pelo menos neutros nas suas convicções e compromissos. Abertos à argumentação, venha ela na forma de arrazoados ponderados ou de espécie, ou fins de semana com a patroa em algum resort convincente. O que é melhor, o lóbi institucionalizado cuja função declarada é influenciar opiniões e comprar decisões, ou um lóbi que, como no Brasil, não ousa dizer seu nome? A presunção implícita do lóbi discreto ou mascarado é que ele não adianta muito, os legisladores ou governantes já chegam a seus postos tão comprometidos com interesses especiais que qualquer tentativa de aliciá-los para outros seria um gasto inútil. No Brasil, a vergonha não é o lóbi mas o lóbi que não se declara, e ajuda a manter a ficção de uma democracia ciceroniana de homens especiais dedicados ao interesse geral. Mas isso, claro, também depende de como você vê esse negócio de vergonha.

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