Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha diz que as especulações sobre sua verdadeira idade são fantasiosas e que só se preocupa com a idade que lhe dão quando quem dá é o Pitanguy. Seja como for, Dorinha esteve presente em muitos momentos decisivos da nossa história. Teria, inclusive – por circunstâncias nunca bem explicadas daquele período confuso, e que ela mesmo se recusa a esclarecer –, ocupado a Presidência da República entre a renúncia de Jânio, o governo provisório de Ranieri Mazzilli e a posse de Jango, durante 15 minutos. Dorinha concorda que a política mudou muito nestes últimos anos e não pode evitar uma ponta de nostalgia pela política como era antes. Principalmente no que diz respeito a acusações e ofensas entre políticos, que no seu tempo... Mas deixemos que ela mesmo nos diga em sua carta. Que, como sempre, veio escrita com tinha roxa em papel turquesa perfumado.

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"Caríssimo! Beijos disseminados. Essas brigas no Congresso me trazem à lembrança um dos meus primeiros maridos, que era senador da República. A república eu sei que era o Brasil, mas o resto ficou meio vago. Não lembro o nome do partido e, pensando bem, nem o nome do marido, de quem só guardei o número da conta bancária, pelo valor afetivo. Quando ele foi acusado por outro senador de ser ladrão, chegou em casa e trancou-se no gabinete para preparar sua resposta. Azeitou e carregou a Réplica, que era como ele chamava sua 38 de cano longo, fiel aos seus princípios políticos segundo os quais "retórica de macho é tiro". No dia seguinte foi com a Réplica ao Senado, pediu a palavra e atirou cinco vezes no seu acusador, matando cinco ao seu redor. O outro respondeu aos tiros com sua 45 e matou mais três, inclusive meu marido. Felizmente a conta era conjunta. Em seguida o presidente do Senado pôs ordem na sessão, atirando para o alto e, com a briga encerrada, pode conduzir os trabalhos a contento, depois de retirados os corpos. É preciso lembrar que o Senado então ficava no Rio e quase sempre havia quorum, mesmo com as baixas. Hoje os congressistas se agridem verbalmente e trocam insinuações e ironias em vez de tiros. Quer dizer, não existe mais romantismo, para não falar em argumentos convincentes. Da tua saudosa Dorinha."