Não me lembro quem era. Faz tempo. Numa roda discutia-se as preferências de cada um e alguém declarou "Pra mim, é Pio XII e Marta Rocha". Podia ter dúvidas em outras categorias, menos nas de melhor Papa e melhor miss Brasil. A frase fez sucesso, apesar da incongruência assumida, pois havia uma clara incompatibilidade entre as duas escolhas. Como alguém podia gostar ao mesmo tempo do ascético Papa Pio XII e da bela baiana que só não fora miss Universo porque suas formas eram generosas demais? (Ver "Padrões e Medidas do Brasil Antigo", capítulo "Formas e Folclore", verbete "Violão, Mulher tipo"). Mas o importante era o tom definitivo da declaração. É preciso ter algumas definições prontas para o caso de você ser cobrado de surpresa. Melhor Papa. Melhor miss Brasil. Melhor Tarzan. Melhor música do Tom...
Não é fácil estar com as suas preferências sempre em dia. Quem tem uma coluna regular na imprensa e dá palpite sobre tudo muitas vezes só descobre o que pensa sobre um assunto quando o comenta, e não é raro começar com uma opinião e terminar com outra. Tenho posições firmes sobre o aleitamento materno (a favor) e o câncer (contra), mas e a clonagem humana? E dois volantes de contenção, sim ou não? E Lula de novo ou chega? E Israel e os palestinos? Alguém já disse que não existe frase pior, para um profissional do palpite, do que "por outro lado". Sempre tem o maldito outro lado! Não é uma questão de ser objetivo e imparcial. Com um espaço assinado no jornal você é pago para ser subjetivo. Todos os imparciais são iguais mas cada um é parcial à sua maneira, e se for um preconceituoso é ainda mais divertido. O problema é como ser subjetivo sem ser injusto e saber por que você é parcial. Ou o que, para você, é pão e é queijo. Ou Pio XII e Marta Rocha.
(Ninguém me perguntou, mas lá vai: João XXIII, Ieda Maria Vargas, Johnny Weismuller e "Inútil paisagem").
A não ser para quem, prevendo a demora, leva a sua própria literatura, leitura de sala de espera pode ser uma experiência cultural curiosa. Você acompanha a vida social brasileira, o crescimento da Sandy e do Júnior e a fluida vida amorosa de artistas e personalidades pelas páginas de "Caras", "Quem" e outras revistas do tipo mas precisa prestar atenção nas datas para evitar uma salada cronológica e se confundir. Como as revistas de salas de espera se renovam com notória lentidão, você está arriscado a só saber do quinto aniversário da Sacha quando ela já estiver noivando. Mas já foi pior. Tenho uma respeitável cultura de sala de espera e lembro quando a antiguidade das revistas era ainda maior.
Podia me passar uma revista, por favor?
Qual a que você quer?
O que é que tem?
Deixa ver... Tem uma "Cruzeiro" de 1951... Uma "Cigarra" de 1949... Metade de uma "Revista da Semana" de 1948...
Que mais?
Uma "National Geographic" de 1940... Revista "Fon Fon"...
Que ano?
1938. Uma "Eu sei tudo" de 37... "Seleções" de 33... Esta aqui eu não sei em que língua é...
Deixa ver. Parece aramaico... O pergaminho está se esfarelando. Não será etrusco?
Não, não. Acho que os etruscos não usavam pergaminho.
Não tem nada mais velho?
Bom, tem esta pedra com hieróglifos, mas eu não sei de que ano é.
Vai essa mesmo.