Sem meias palavras, o Brasil faz reativar com vigor seu pleito recorrente de política externa, para conquistar assento como membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O que antes era insinuado na proposta de reforma da Carta de São Francisco agora é assumido e verbalizado sem cerimônia, com apoio crescente da comunidade internacional.
A ONU, ao contrário do que dizem seus detratores, sempre se fortalece após as crises, consolidada como fórum único para a busca de um mundo menos violento e mais seguro. As recorrentes críticas que recebe decorrem de expectativas ingênuas acerca do que é o multilateralismo de conflito a que estamos todos condenados. E, se a ONU é importante, o Conselho de Segurança é seu disco rígido, bojo das grandes decisões mundiais. Os membros efetivos Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China podem, como rara exceção ao princípio da igualdade das nações, bloquear por veto qualquer decisão, ainda que adotada por unanimidade de todos os demais países. O Conselho de Segurança possui ainda membros transitórios que, embora possam votar, não podem vetar, portanto grupo de poder aparente, o que explica o reiterado empenho do Itamaraty no assento permanente. No atual contexto, inclusive, assento rotativo seria para o Brasil uma capitis diminutio maxima.
Não se trata de pretensão nova do Brasil. Já na fundação da ONU, conforme relatório do embaixador Pedro Leitão Velloso, o país pleiteava o mesmo tratamento que se concedia à França, a assinalar "a decepção que a exclusão brasileira poderia significar junto à opinião pública". No entanto, à época a capacidade nuclear era fator primordial e o Brasil não pertencia ao clube atômico.
Apesar disso, claramente temos prestígio na casa e a primeira fala que se ouviu na Assembleia Geral, quando instalada em Nova York, em 1947, foi a de Oswaldo Aranha. Desde então, incumbe ao Brasil o discurso de abertura anual das sessões, tradição que nunca se alterou.
Em realidade distinta da que viu nascer a ONU, hoje as grandes decisões não devem ser tomadas à revelia de potências emergentes, o que implica inadiável aggiornamento de alguns mecanismos de poder. Em particular, com a adoção de medidas de maior representatividade e transparência, bem a propósito do espírito do tempo em que vivemos.
A possibilidade concreta da qual o Brasil dispõe, de ascender ao grupo do poder de veto, além do caráter simbológico, representa patamar de poder real inigualável, não isento de responsabilidades e de desafios. No plano de encargos, devemos estar atentos aos gastos que virão, em especial no que se refere à participação em missões de paz, como no Haiti e no Líbano. Porém, as vantagens materiais são bem maiores, com o prestígio prontamente transformado em dividendos. Algo indispensável para quem necessita aumentar o tamanho e a qualidade da economia, assolada pelo clamor de miséria de importante parcela de sua população, a par de contradições de um crescimento desarmônico e sincopado.
Devemos tomar o debate acerca da pretensão brasileira não como questão ideológica ou como programa partidário. Assim será mais fácil concebê-la como meta de Estado, a independer de simpatias ou antipatias de governos que passam. Afinal, não são governos que compõem a ONU, senão nações. Se os "brasis" da Embraer e da Rocinha são incompatíveis e mutuamente excludentes, devemos sem delongas definir quem queremos ser. O debate acerca das vantagens de estar em tal ou qual patamar, a qualidade da presença internacional do Brasil, refletem momento crucial para o país real, ainda que se tenha a enfrentar o fogo amigo de setores recalcitrantes ao progresso. Setores que parecem preferir o lócus exótico, da banalidade e da incompetência, que decerto também sabemos ser. Como povo e como nação, no entanto, possuímos virtudes inexcedíveis e que, nesse embate, certamente serão postas à prova.
Jorge Fontoura é doutor em Direito Internacional e especialista em política externa
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