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Quem diz que nunca houve matança sistematizada de judeus, ciganos e incapazes na Alemanha tem razão: Auschwitz, Treblinka, Sobibor e os outros campos de extermínio nazistas ficavam na Polônia. A Polônia anexada pelo Reich era uma extensão do solo alemão e os campos eram construídos e geridos por alemães, mas isto é detalhe para quem pretende a inocência pelo distanciamento formal. Os americanos que hoje levam suspeitos de terrorismo para serem interrogados em países onde a tortura é comum, longe dos Estados Unidos, também pretendem a absolvição pela geografia.

Tem-se discutido muito no Congresso, na imprensa e nos tribunais americanos os limites do permitido na busca da informação antiterrorista depois do 11/9, mas os escrúpulos quanto à tortura chegam atrasados. Torturar pela mão dos outros é uma prática antiga dos Estados Unidos, mais notoriamente – no que nos diz respeito – nas atividades da "School of the Américas" onde policiais e militares latino-americanos iam aprender métodos de interrogatório e contra-insurgência para combater o comunismo no continente. A Escola das Américas chegou a ser chamada ironicamente de anexo da Escola de Chicago, produzindo técnicos em repressão para garantir os teóricos do neoliberalismo que saiam do Departamento de Economia da universidade, onde o Milton Friedman era a estrela, para nos catequisar. É bom lembrar, nestes tempos de entusiasmo das platéias pelo fascismo contra o crime e de reacionarismo ostensivo e festejado, no que deu tudo aquilo. Coisas como a "Operação Bandeirantes", a aliança de empresários paulistas com policiais e militares na caça, literalmente, à esquerda, que deixou mortos e mutilados por toda parte – menos, aparentemente, na consciência dos responsáveis, ou, presumivelmente, no livro de realizações dos formandos da Escola das Américas. Que continua no mesmo lugar, Fort Benning, na Geórgia, agora com o nome mais específico de Instituto de Cooperação para a Segurança do Hemisfério Ocidental. Não se sabe se o currículo ainda é o mesmo.

Do Iraque chega a notícia de outro exemplo de distanciamento remissor.

Neste caso, uma novidade – a terceirização da guerra. A ocupação do país está sendo um grande negócio não só para a Halliburton e outras empreiteiras superfaturadoras mas para empresas paramilitares, exércitos privados que substituem a tropa normal em certas tarefas e que já têm quase tanta gente no Iraque quanto o exército regular, com contratos milionários. Há dias uma destas empresas, a Blackwater, que pertence a um conhecido financiador das campanhas do Bush e do Cheney, se viu envolvida na morte de civis iraquianos.

A Blackwater não está sujeita nem às leis do Iraque, nem às leis dos Estados Unidos e nem aos estatutos militares americanos. Só precisou pedir desculpas.

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