A menos de dois meses do verão e da temporada de chuvas - que, este ano, produziu a maior catástrofe ambiental da história do país, na Região Serrana -, o Brasil sofre com a falta de profissionais especializados no mapeamento de regiões suscetíveis a riscos. Segundo a Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE), aproximadamente 200 pessoas trabalham no setor em todo o país. Para a entidade, o ideal seria somar "100 a 200" especialistas a esta área. Enquanto isso, de acordo com o governo federal, o país acumula 1.386 municípios com áreas sujeitas a deslizamentos, e 1.417 passíveis de inundações bruscas de alta intensidade.
A carência de geólogos já foi admitida publicamente pelo ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante, pelo menos duas vezes este ano - a última delas em rádio nacional, 15 dias atrás. Sua pasta não divulgou que contingente de profissionais considera desejável, mas diz que o levantamento da ABGE "quantifica a percepção" do governo. "Seria muito bom contar com pelo menos um geólogo em cada cidade, ao menos naquelas onde há risco médio", avalia Fernando Kertzman, presidente da ABGE.
"Há vinte profissionais na prefeitura de São Paulo, e ainda assim não conseguimos dar conta de todas as medições. O problema é que quase ninguém se forma neste setor, porque ele só voltou a ter mais importância nos últimos cinco anos, quando o país voltou a ter grandes obras. Estes investimentos em infraestrutura praticamente não ocorreram nos anos 80 e 90."
O vácuo de profissionais, portanto, atingiu uma geração inteira, o que dificulta até a contratação de professores e a abertura de novos cursos de geologia.
Na semana passada, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), criado por decreto presidencial em julho e subordinado a Mercadante, realizou uma prova para contratar dez geólogos que observarão áreas sujeitas a catástrofes ambientais. E amanhã a ABGE organizará um seminário cuja pauta abrange a carência de especialistas no setor.
"Os geólogos preferem os setores tradicionais, petróleo e mineração, que pagam salários mais altos", explica Kertzman. "Queremos organizar, junto ao Cemaden, cursos de capacitação em todo o país para que estes profissionais possam trabalhar também em áreas suscetíveis a escorregamento."
Nomeado diretor do Cemaden há dois meses, Reinhardt Fuck, que ainda monta a estrutura do órgão recém-criado, reconhece a dificuldade para atrair colegas. "Se houvesse cem pessoas treinadas em geologia da engenharia, elas conseguiriam emprego na hora", assegura. "Agrava essa carência o fato de que há uma grande demanda por parte da Petrobras, que está empregando centenas de profissionais da área em exploração petrolífera e de gás. E também temos commodities em alta no mundo inteiro, particularmente o ouro, o que faz as empresas de exploração mineral também procurá-los. Esta convergência de buscas está tirando nossos estudantes das salas de aula. Os poucos cursos sequer dispõem de docentes. A USP, por exemplo, pelejou meses até conseguir um professor para esta área."
Outro obstáculo para a chamada geologia de engenharia era a falta de interesse contínuo no setor. Geralmente o poder público só olha para as encostas às vésperas do verão. Por isso, não valeria a pena pagar alguém dar expediente ali o ano inteiro.
A economia é visível país afora. Entre os 735 municípios onde há, pelo menos, cinco áreas suscetíveis a deslizamentos, só 25 (3,4% do total) dispõem de carta geotécnica. Trata-se do mapeamento de áreas de risco, fundamental para evitar as consequências de deslizamentos e enchentes. A ABGE calcula que a elaboração desta peça custa, em média, R$ 250 mil - embora o valor cresça significativamente conforme o tamanho da cidade.
O Cemaden procura seus primeiros geólogos de engenharia para monitorar áreas de risco potencial no país. E, com base em parâmetros críticos - como chuvas e características particulares da encostas -, será possível prever eventuais desastres.
Na lista de afazeres de Fuck não consta a elaboração de cartas geotécnicas para municípios - esta função cabe a outros órgãos públicos, inclusive serviços geológicos estaduais, cuja procura aumentou nos últimos anos. Seu Cemaden atuará na previsão de curto prazo, emitindo alertas para outras instâncias.
"Estamos uma correria maluca para estabelecer um sistema razoavelmente confiável para operar, ainda que de forma inicial, em novembro", revela. "Teremos uma sala de situação, que repassará dados ligados à previsão de desastres para as defesas civis. Mas esta sala nos será nos entregue apenas em dezembro, e vai demorar um tempo até que os aparelhos funcionem à toda."
Os especialistas baseados na sala trabalharão com imagens captadas por diversos radares, da Força Aérea aos de governos estaduais. Com elas, é possível, segundo Fuck, fazer previsões confiáveis de duas a seis horas antes de eventos climáticos extremos, como tempestades e enchentes.
A sala será montada no campus de Cachoeira Paulista (SP) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A princípio, o foco do novo sistema será apenas as regiões Sul e Sudeste. No início do ano que vem, será expandido para o Nordeste.