Apesar da crise, o Balanço da Cobra não demitiu nenhum folião. A bem-humorada sátira situação econômica mundial é de um bloco que reúne cerca de 200 amigos e desfila há 34 anos pelas ruas e ladeiras da cidade. O som é o das tradicionais marchinhas de carnaval.
A idealizadora do bloco é a botânica e produtora de cachaça artesanal Cida Zurlo, de 60 anos. A cada ano, um artista plástico faz as camisetas vestidas por intelectuais da cidade e gente de várias partes do país que se junta ao grupo nas ruas. As frases saem na hora, são levadas em cartazes e não há um fato político ou social polêmico que escape da criatividade dos compositores.
Neste ano, por exemplo, uma das frases faz uma alusão velada ao castelo construído pelo deputado federal Edmar Moreira no interior de Minas Gerais. O castelo é demais. É de maracutaia, adiantou Cida. Fazemos um deboche, resumiu.
A oportunidade de aliar folia e recados sobre o que incomoda a sociedade foi o que seduziu o advogado de Belo Horizonte Altamiro Duarte, de 38 anos, também envolvido no Balanço da Cobra. Ele explicou a simbologia do mascote: É um bicho esperto, que sabe manejar. E nós sabemos destilar o nosso veneno bem-humorado, um veneno do bem.
O engenheiro metalúrgico José Vandir Nunes, que todos os anos deixa Vitória para se juntar ao Balanço da Cobra, faz uma ressalva. Tem hora que é como malhar em ferro frio, porque a gente fala e as coisas não vão melhorando muito, afirmou o sorridente capixaba, apreciador confesso da cachaça ouro-pretana feita com ervas afrodisíacas. Como o bloco sai na segunda-feira é bom, porque já está todo mundo calibrado.
A professora Socorro Palmieri disse, em tom de brincadeira, que pessoas com menos de 25 anos não são aceitas no bloco. Mas, na prática, ela quer mesmo é passar a paixão adiante para as filhas Essas marchinhas não vão morrer nunca e eu, trazendo minhas filhas, com certeza elas vão trazer as filhas delas, ressaltou Socorro.
É também com filiação praticamente hereditária que se mantém o Zé Pereira dos Lacaios, bloco mais antigo do carnaval ouro-pretano, fundado em 1867 pelos então funcionários do palácio do governo. Características originais são mantidas, como a presença dos catitões (bonecos com mais de dois metros de altura) e de crianças vestidas de diabinhos com lanças que tiram faíscas do calçamento.
Outro bloco diferente do carnaval na antiga capital de Minas Gerais é a Bandalheira Folclórica Ouro-Pretana (Bafo), pioneira nos desfiles vespertinos. Para satirizar os tempos da ditadura militar, os foliões marcham em ritmo acelerado pelas ruas pessoas, vestidos de calça preta, camisa branca, com um penico esmaltado na cabeça e um rolo de papel higiênico na cintura.
O papel higiênico é um arma contra o que o penico representa. Ele serve para higienizar, explicou o fundador do bloco, Virgílio Alves. Ele conta que o primeiro desfile foi com apenas 17 pessoas e hoje o bloco reúne mais de 200 pessoas, sem compromisso com a melodia ou a qualidade da batida.
Cida Zurlo considera natural ritmos como o axé e o funk estarem presentes no atual carnaval ouro-pretano, mas defende que sejam proibidos no centro histórico, por uma espécie de coerência cultural. O centro daqui tem que ser como o de Olinda, o de Recife, com um carnaval mais tradicional.
A tese é reforçada por Virgílio Alves: Tem que preservar também a arte dos grandes carnavais, das marchinhas e dos chorinhos. Virou bagunça. Esse negócio de funk e axé tem que deixar para lá ou arrumar um canto isolado para eles, defendeu Alves.
No modelo instituído pela prefeitura de Ouro Preto neste ano, foram montados palcos em diferentes pontos do centro histórico, cada um reservado a um estilo musical. Têm seus espaços os sambas antigos, o axé, o funk, o hip hop, grupos musicais evangélicos e católicos. Blocos com até 2 mil integrantes podem desfilar pelas ruas, independente do ritmo que os impulsiona.
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