Durante três semanas, a enfermeira Halima Husein, 37 anos, graduada pela Universidade de Rio Grande (FURG), atuou na linha de frente do combate à epidemia de ebola em Monróvia, capital da Libéria. Voluntária da ONG Médicos sem Fronteiras (MSF), a gaúcha tem experiência em missões difíceis em países pobres e afetados por guerras e catástrofes, como Etiópia, Iêmen, Líbia e Sudão do Sul. Desta vez, porém, o desafio foi maior: o vírus, que já vitimou mais de 15 mil pessoas na África Ocidental, pôs em colapso o sistema de saúde de Monróvia. "Você vai ver a morte todo dia", resume Halima, que colabora com a MSF desde 2009. Veja trechos da entrevista com a enfermeira:

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Quais são, em sua opinião, os maiores erros a respeito de ebola que precisam ser esclarecidos?

A contaminação. Todo mundo acha que a pessoa que chegou da África, em geral, está contaminada com ebola. Ebola não se pega assim tão fácil, não é pelo ar e não é só pelo toque. Para que haja contaminação com ebola, tem de haver troca de fluidos. Ou transpiração, ou diarreia, ou vômito, ou sangue, ou saliva, ou lágrima.

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Vocês sabiam em que bairros da cidade se concentrava a epidemia?

Havia alguns focos, mas não dá para dizer que nos mais pobres ou nos mais ricos. Estava todo mundo tentando tomar cuidado. Kits para desinfecção estavam sendo distribuídos: você entrega baldes e cloro para a pessoa colocar na água. Muitas pessoas já estavam seguindo isso, até a regra de não tocar no outro. Porque lá a cultura é muito de abraçar e tocar. É aí que ocorre a contaminação. Grande número foi contaminado nos funerais.

Os protocolos devem indicar algum tipo de caixão, de funeral?

Estávamos implantando a cremação ou funeral em áreas isoladas, impedindo que a família tocasse no corpo, porque na hora do funeral eles abraçam, lavam o corpo, beijam. Muita gente se contaminou nos funerais. Mas culturalmente, para eles, é inaceitável a cremação. Então é uma briga para as famílias aceitarem, e muita gente não estava mais levando os seus doentes para o centro porque sabiam que não iam ter o corpo de volta.

O ebola deve chegar ao Brasil?

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O risco nunca é zero. Para nenhum país, não só para o Brasil. Mas a gente não pode comparar o Brasil com a Libéria. O sistema de saúde do Brasil não é igual ao de lá. Por mais que a gente reclame do nosso sistema de saúde, temos hospitais, um sistema público onde pode haver atendimento. Lá, quando começou a epidemia, eles nem sabiam o que estavam tratando. Aqui, assim como fazem para a dengue, faz-se a campanha para o ebola, ensina-se como fazer a prevenção e acho que a maioria do povo consegue cumprir.

Se fosse convidada, você voltaria para a África Ocidental para trabalhar na questão do ebola?

Neste momento, eu não sei se voltaria. Não por ter medo de me contaminar, mas por ter visto tanta morte, tanta família destruída por essa doença. Para mim, foi muito chocante.

O que você aprendeu lá?

Aprendi que a gente tem de dar mais valor para tudo. Aprendi isso com todos os projetos em que trabalhei, mas nesse eu consegui ver que, realmente, tudo passa muito rápido, a morte está ali do nosso lado e a gente não tem como saber o que vai acontecer. Então, é preciso aproveitar melhor a nossa própria vida. Porque, enquanto não houver tratamento direto de ebola ou vacina, vamos continuar perdendo pessoas como se fosse mágica.

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