Com ou sem greve dos professores, a ser decidida amanhã em assembleia geral, milhares de alunos da rede estadual de ensino não poderão voltar às aulas na segunda-feira, conforme prevê o calendário letivo. Muitas escolas da rede estadual do Paraná não vão abrir os portões. O motivo é a falta de condições para receber os alunos. Desde a última semana, os colégios estaduais se veem às voltas com o corte de funcionários e as incertezas quanto ao quadro docente.
Somam-se a esse esvaziamento das escolas o calote no terço de férias dos professores e nas rescisões trabalistas dos professores temporários contratados via Processo Seletivo Simplificado (PSS), a falta de merendeiras e o atraso do fundo rotativo (verba destinada à manutenção das instalações e a compra de materiais necessários para a rotina escolar).
Ontem, cinco colégios da região Norte de Curitiba e um de Almirante Tamandaré, na região metropolitana, anunciaram que não vão abrir as portas na segunda-feira. Outras três unidades o Colégio Cecília Meireles, no Bairro Alto, o Colégio Moradias Monteiro Lobato, no Tatuquara, e outra escola no Boqueirão também deixaram claro que não têm como receber os alunos em sala. Na terça-feira, o Colégio Manoel Ribas, na Vila das Torres, já havia comunicado que não teria condições de funcionar na data programada para a volta às aulas.
Todas essas escolas foram afetadas drasticamente pela determinação da Secretaria de Estado da Educação (Seed) de cortar 30% dos servidores PSS. Além disso, as escolas ainda não conseguiram fechar o quadro docente para este ano letivo e sofrem com atraso no repasse do fundo rotativo. Não são raros casos em que os diretores tiraram dinheiro do bolso para cobrir as despesas de reformas.
"Mesmo se a greve não for deflagrada, o [Colégio] Cecília Meireles não vai abrir na segunda-feira, por pura falta de condições", diz o diretor da escola, João Alberto de Souza. "Eu não tenho dinheiro nem para comprar uma vassoura para a escola. De dez funcionários de serviços gerais, ficou uma. A situação é mais do que drástica", acrescenta.
Para a APP-Sindicato, que representa a categoria, a inviabilidade de iniciar o ano letivo atinge todas as escolas do estado. Em Maringá, a diretoria da entidade manteve contato com as 33 escolas que compõem a rede. Nenhuma delas deve receber alunos na segunda-feira. "Além da falta de estrutura e de funcionários, há um sentimento de revolta e de descontentamento", diz o diretor da APP-Sindicato, Luiz Carlos dos Santos.
Temporários
Como o número de docentes efetivos é insuficiente, o governo vem recorrendo aos professores temporários, contratados via PSS, para o ano letivo conforme a demanda. A APP-Sindicato estima que, em 2015, sejam necessários pelo menos 15 mil temporários para completar o quadro. Nesta semana, o governo anunciou a contratação de 10 mil. Por enquanto, nenhum chegou às escolas consultadas pela Gazeta do Povo.
"Nós deveríamos estar em 'semana pedagógica' [em que a direção define o cronograma do ano letivo], mas faltam professores para mais da metade da nossa grade. Não houve planejamento. Ninguém fez nada", lamenta o diretor de um colégio do bairro BoaVista.
No Tatuquara, colégio perdeu 68% do pessoal
O Colégio Estadual Moradias Monteiro Lobato atende 2,3 mil estudantes do Tatuquara, em Curitiba. Por causa da falta de vagas, a unidade já funciona sem parar durante 16 horas por dia, das 7 às 23 horas. Agora, também vítima do corte de pessoal, não tem condições de reiniciar as aulas na segunda-feira. E não é por motivação política. Dos 90 professores que o colégio dispunha, restaram 32 a maioria era contratada pelo Processo Seletivo Simplificado (PSS). "Simplesmente não temos professores para entrar em sala de aula", lamenta o diretor do colégio, Getúlio Della Torres Júnior.
As perdas da escola se estenderam ainda ao setor administrativo, com cinco baixas, e aos serviços gerais, no qual houve três dispensas. Como é muito grande, o Moradias Monteiro Lobato contava com quatro diretores auxiliares. Um deles foi desligado. Ao todo, o quadro de pessoal foi reduzido de 140 para 45 profissionais. "Quem deveria reagir assim é o secretário estadual de Educação", disse o diretor do colégio ao ouvir a reação de espanto da reportagem. Nessas condições, mesmo com toda a boa vontade fica difícil abrir as portas para o início do ano letivo.
Não bastasse o quadro minguado de funcionários, Júnior ainda tem mais do que se queixar. Há cinco meses o governo do estado não deposita o dinheiro do fundo rotativo, usado para fazer frente às necessidades de pequenos serviços no dia-a-dia do colégio. O débito já chega a R$ 18 mil. Sem o dinheiro, todos têm de pôr a mão na massa. "A nossa sorte é que temos uma equipe muito unida", diz Júnior. Agora, com a equipe reduzida é que são elas. Como vai ser ele não sabe. "Vamos ver o que vai dar pra fazer."
O governo federal também contribui com sua cota de descaso para agravar a crise em colégios como o Moradias Monteiro Lobato. Ali, pelo menos 40% dos livros didáticos deste ano letivo ainda não chegaram. Algumas disciplinas estão mais desfalcadas do que outras, mas praticamente todas estão com algum déficit. A disciplina de inglês, por exemplo, conta com apenas 30% do material.
Sim à greve
Os profissionais da educação se revoltaram com o "pacotaço" do governador Beto Richa (PSDB), que visa alterar a aposentadoria, as licenças e o vale-transporte da categoria. Nota da APP-Sindicato diz que a proposta do governo "aprofundou de vez a crise e o caos que já era generalizada nas escolas (sic)". O sindicato acredita que a greve será referendada por unanimidade na assembleia de amanhã em Guarapuava.