A investigação sobre o “recall” realizado em coletes balísticos vencidos e de outros ainda por vencer das forças de segurança do Paraná terminou com o indiciamento do comandante da Polícia Militar (PM), coronel Maurício Tortato. O proprietário e o gerente da empresa que fabricou os equipamentos, além de um diretor da PM, também foram indicados. O relatório final imputou quatro crimes aos indiciados, entre os quais, o de induzir o consumidor ao erro e o de expor outras pessoas a risco eminente. O documento foi protocolado na 8.ª Vara Criminal, na última semana.
Indiciado, comandante da PM rebate investigação sobre recall em coletes
Comandante da PM teve acesso ao relatório na noite de quarta
A assessoria de imprensa da Polícia Militar informou que o comandante da PM, coronel Maurício Tortato, teve acesso ao relatório somente na noite desta quarta-feira (31), por volta das 19 horas, e por isso ainda não poderia se manifestar sobre a questão. Segundo a assessoria, Tortato deve se pronunciar nesta quinta-feira (1.º).
Já o Departamento da Polícia Civil se manifestou por meio de nota e declarou que “não interfere e respeita o entendimento jurídico de cada delegado que preside os inquéritos policiais. O Departamento ressalta também que não há dúvida da boa fé do Comando-Geral da Polícia Militar na estrutura oferecida aos servidores da instituições, além de salientar que “reafirma a integração entre as forças de segurança do Estado”.
Secretário foi induzido ao erro, diz relatório
Apesar de ter atingido a cúpula da Polícia Militar (PM), a investigação isentou o alto escalão da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp). O recall dos coletes havia sido definido em uma reunião, da qual participaram representantes do Grupo Inbra, da PM e da própria Sesp – que é a ordenadora de despesas.
O relatório final da apuração, no entanto, considerou que o secretário de segurança, Wagner Mesquita, e o diretor-geral da Sesp, Francisco Batista da Costa, “foram induzidos a erro pelos representantes legais da Inbra e pelo Comando-Geral da PM”. De acordo com o delegado, eles teriam agido “no intuito de atender aos anseios e melhorar os níveis de segurança dos coletes balísticos para os policiais militares, que comprovadamente não atendiam as especificações legais e normativas”.
Sem resposta
A Gazeta do Povo tentou ouvir os três indiciados ligados ao Grupo Inbra, mas o departamento de marketing da empresa não atendeu à solicitação. O diretor-presidente do grupo, Jairo Cândido, e o gerente Clécio Barbosa, sequer prestaram depoimento à polícia, apesar das tentativas registradas no inquérito.
As investigações começaram no fim de março, quando a Delegacia de Explosivos, Armas e Munições (Deam) chegou a um galpão de uma empresa da região metropolitana, onde os equipamentos eram recondicionados. Os coletes ganhavam uma manta extra de aramida – tecido sintético usado neste tipo de artefato – e, em seguida, tinham as etiquetas de validade substituídas por outras que acresciam em um ano a data de vencimento do produto.
O relatório final – assinado pelo delegado Vinícius Borges Martins – classificou o recondicionamento dos coletes como uma “alternativa imoral e em desconformidade com a lei vigente” e destaca que o próprio Exército Brasileiro – órgão responsável por regulamentar este tipo de equipamento – informou oficialmente e “que este tipo de produto não comporta ‘recall’”.
Indiciados
Além de Tortato, o coronel João Francisco dos Santos Neto, diretor do Departamento de Apoio Logístico da PM, também foi indiciado. De acordo com o relatório final, ao concordarem com o recall, “ambos compactuaram com a exposição ao risco iminente aos mais de 12 mil policiais militares, por inércia e omissão”. O documento aponta que mais de sete mil coletes passaram pelo recondicionamento, mas o procedimento seria realizado em 11.240 unidades. Dos equipamentos “reforçados”, 1,3 mil estavam vencidos. Testes balísticos reprovaram amostras do item de segurança usado pelos policiais.
O Grupo Infra – que fabricou os coletes fornecidos ao governo do estado – também foi atingido pela conclusão da polícia. O diretor-presidente da empresa, Jairo Cândido, o gerente Clécio Barbosa da Silva e o representante do grupo no Paraná, Mário José Kogut, também foram indiciados.
O relatório final pede que tanto os policiais quanto os empresários respondam pelo crime de induzir o consumidor ou usuário ao erro (que tem pena prevista de dois a cinco anos de detenção); pelo de manter de forma irregular arma ou equipamento de segurança (pena de um a três anos); por expor pessoas a risco iminente (detenção de três meses a um ano) e por calúnia (de seis meses a dois anos).
O documento solicita ainda que a Justiça determine o bloqueio de R$ 9,5 milhões do Grupo Inbra. O valor seria referente ao que a empresa recebeu do governo do Paraná, para fornecer 11.260 coletes balísticos. O delegado justifica que “o correto seria efetuar a busca e apreensão de todos os coletes balísticos, mas isto sim causaria um caos muito severo” à segurança pública do estado.
Por fim, a conclusão da investigação solicita o bloqueio de todos os bens dos indiciados e que o Grupo Inbra seja tornado inidôneo, o que o tornaria impedido de participar de licitações promovidas pelo governo do Paraná. Apesar da apuração criminal, a Inbra venceu, no início de agosto, um procedimento licitatório para fornecer até R$ 7,9 mil novos coletes ao estado, a um custo máximo de R$ 7,9 milhões.
Em depoimento, comandante da PM confirmou que recall ocorreu sem autorização do Exército
- Felippe Aníbal
O recall dos coletes balísticos fornecidos pelo Grupo Inbra às forças de segurança do Paraná não foram autorizados pelo Exército Brasileiro, a quem compete regular e fiscalizar este tipo de produto. Em depoimento, o comandante-geral da Polícia Militar (PM), coronel Maurício Tortato, disse que encaminhou ao Exército um “processo”, solicitando “a interferência para que fossem adotadas as medidas legais necessárias”. O próprio comandante confirmou que não houve resposta “positiva e tampouco negativa”. Sem o retorno, foi realizada uma reunião na Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), em que se definiu pelo recondicionamento dos coletes, mesmo sem autorização expressa do Exército.
O comandante da PM, no entanto, disse que “pelo que tem conhecimento” o recall seria feito apenas em coletes “a vencer”. Tortato declarou, no depoimento, que só ficou sabendo que equipamentos vencidos também estavam passando pelo procedimento após a operação da Delegacia de Explosivos, Armas e Munições (Deam), que apreendeu os itens de segurança que passavam pelo procedimento.
Também em depoimento, o capitão do Exército, Danilo Alsu Santos, informou que “não existe a menor possibilidade dentro da legislação prevista no R-105 e na Portaria nº 18 DLOG [que normatizam este tipo de equipamento] de se proceder qualquer tipo de recondicionamento em coletes balísticos vencidos”. O oficial observa que, em relação aos coletes “a vencer”, deveria ser consultado o Comando Logístico do Exército.
O capitão acrescentou ainda que “dificilmente sairia tal autorização”, por se tratarem de condições “completamente distintas” – coletes com prazos de validade diferentes e já usados. “Enfim, deveriam ser feitos testes em vários coletes para só assim poder ocorrer a certificação dessa alteração”, consta do depoimento. O militar entende que a empresa que forneceu os equipamentos deveriam ter “efetuado a troca dos mesmos”.
Reprovados
A realização de recall havia sido definida no ano passado, depois que um teste balístico realizado pela própria PM reprovou unidades testadas. A partir de então, a fabricante do material, o Grupo Inbra sugeriu que se fizesse um reforço no equipamento.
“Foi efetuado contato com representantes da Inbra, os quais informaram que poderia ser colocado mais 2(duas) placas anti-trauma em cada face do colete para aliviar tais impactos, não havendo custo nenhum para o Estado do Paraná [sic]”, consta do depoimento do coronel João Francisco dos Santos Neto, um dos indiciados.
Posteriormente, mesmo após passarem por recall, amostras dos coletes voltaram a ser reprovadas, em teste promovido pela Delegacia de Explosivos, Armas e Munições (Deam).
“Ainda faltam coletes e os policiais estão em risco”, diz associação
O presidente da Associação dos Delegados (Adepol), João Ricardo Kepes Noronha, disse que a falta de coletes ainda “é um problema sem solução” nas forças de segurança do Paraná. Apesar de o estado ter recebido uma doação recente de equipamentos advindos da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), o delegado estima que faltem cerca de dois mil coletes na Polícia Civil.
“É uma situação que tem gerado inconformismo à polícia. Ainda faltam coletes e os policiais estão correndo risco de vida. Há muitos coletes vencidos que são, portanto, imprestáveis ao fim a que se destina”, disse.
Noronha criticou ainda o fato de a Inbra ter participado e ganhado uma nova licitação para fornecer coletes balísticos ao Paraná. Ele disse que os policiais passaram a ver a empresa com desconfiança. “Esse grupo nem deveria ter participado da licitação. É uma questão básica”, avaliou.
Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública (Sesp) informou que “já realizou licitação para a compra de 7.796 coletes” - certame que foi vencido pelo Grupo Inbra - e que aguarda os trâmites legais para receber os novos equipamentos, “o que deve ocorrer nos próximo dias”.
“Além do processo licitatório, a Senasp está doando aproximadamente 2 mil novos coletes. Estes cerca de 10.000 coletes balísticos vão atender as Polícias Civil e Militar, além do Departamento Penitenciário”, acrescenta a Sesp.
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