Estudo revela que 25% da população brasileira ingere 80% do álcool consumido no país. Índice de dependência no Brasil é de 3,5%, enquanto média mundial é de 5%| Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo

Hábito

O problema é ingerir álcool em excesso

A médica do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Camila Magalhães Silveira diz que o principal problema do brasileiro em relação ao álcool é a forma de consumo. Com base no relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicado em fevereiro, ela afirma que o índice de dependência de álcool entre os brasileiros é de 3,5%, abaixo da média mundial de 5%. No entanto, quando bebe, o brasileiro costuma abusar e aí aparecem os problemas. "Nossa cultura é beber muito em uma única ocasião e isso expõe o bebedor a problemas agudos e crônicos", diz. O uso indevido do álcool predispõe a ocorrência de acidentes de trânsito, brigas familiares, prática de sexo desprotegido e contribui para a dependência, problemas cardíacos e câncer. O costume no Brasil é diferente do padrão europeu, segundo a médica, que é beber de forma moderada. Para Camila, o país precisa estabelecer políticas de prevenção para evitar o uso precoce de álcool e mudar o padrão de consumir doses excessivas.

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Projetos

Leis controlam consumo perto de escolas

Thiago Ramari, da Gazeta Maringá

Em Maringá, no Noroeste do Paraná, duas leis restringem o consumo de bebidas alcoólicas. Aprovadas em 2008, ambas limitam a ingestão de álcool nas proximidades de instituições de ensino. No início deste mês, um terceiro projeto, que tornava a restrição mais abrangente, atingindo todos os bares com menos de três funcionários, foi reprovado pelos vereadores da cidade.

A primeira Lei Seca do município proíbe a venda de bebidas alcoólicas em estabelecimentos localizados até 150 metros dos portões de escolas. O descumprimento prevê multa de R$ 1,5 mil e a possibilidade de perda do alvará. Os proprietários dos bares afirmam que foram prejudicados e que a proibição não impediu as pessoas, sobretudo universitários, de beberem nas calçadas e ruas próximas às instituições.

A outra lei proíbe bares e vendedores ambulantes de comercializar bebidas alcoólicas no quadrilátero da Universidade Estadual de Maringá (UEM), durante o período do vestibular da instituição. A exigência é válida das 20 horas da sexta-feira que antecede o processo seletivo até as 24 horas seguintes do término das provas. A lei também prevê multas de R$ 5 mil para bares e R$ 500 e apreensão das bebidas para ambulantes.

As opiniões sobre a Lei Seca são divergentes. Para a vereadora Marly Martin (DEM), uma das autoras da segunda lei aprovada, o poder público tem a responsabilidade de coibir excessos da população, mesmo que, para isso, seja necessário fechar estabelecimentos comerciais mais cedo. Já o Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Maringá defende o direito de ir e vir. O presidente do órgão, Genir Pavan, diz que a redução dos problemas causados pelo consumo de bebida alcoólica não acontece com leis, mas com a conscientização da população.

O modelo brasileiro de prevenção e tratamento do alcoolismo está na berlinda. Falhas na aplicação da lei que restringe a venda de bebidas a adolescentes e dificuldades para fazer o diagnóstico precoce em dependentes são barreiras a serem vencidas para contornar o problema em um país onde 25% da população ingere 80% do álcool consumido, segundo estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O quadro preocupante levou um deputado a propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a suposta omissão do poder público no combate ao alcoolismo.A proposta de criação da CPI, do deputado federal Vanderlei Macris (PSDB-SP), teve 193 assinaturas – 23 a mais do que o necessário – e aguarda a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT), para ser instalada. As CPIs têm o poder de agir de forma investigativa e apontar supostos culpados. O deputado optou por uma CPI para aprofundar o assunto e propor políticas públicas mais agressivas sobre o tema. Na avaliação dele, outro modelo de debate, como conferências, não teria o mesmo efeito.

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Para Macris, o governo atua de forma muito fragilizada em um problema que está tomando uma dimensão quase epidêmica no país. "Hoje nós temos iniciativas isoladas de municípios, ONGs [organizações não governamentais], mas não há um banco de dados e centralização da discussão para estabelecer políticas públicas mais objetivas sobre o tema." O Brasil já tem tradição de CPIs para tratar de exploração sexual de crianças e adolescentes, tráfico de armas e pedofilia.

A preocupação do deputado está em sintonia com as estatísticas brasileiras. Pesquisa do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid), feita em 2005, indica que 12,3% da população brasileira é dependente de álcool. No levantamento anterior, feito em 2001, o porcentual era 11,2%. Outro estudo, feito pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, no ano passado, aponta que 67% dos estudantes universitários consomem bebidas alcoólicas todas as semanas. Dos 536 jovens entrevistados, 99% disseram que já experimentaram álcool pelo menos uma vez na vida.

Prevenção

Na avaliação do médico sanitarista Elson da Silva Lima, as políticas de prevenção ao uso do álcool são tímidas e pouco divulgadas. Para ele, seria necessário cumprir o que já está estabelecido na lei, ou seja, restringir o acesso de menores de 18 anos às bebidas alcoólicas e limitar locais de venda e horários de funcionamento de bares e estabelecimentos que comercializam bebidas. O médico também defende aumento das penalidades para os transgressores.

O psiquiatra José Elias Aiex Neto, responsável pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) Álcool e Drogas em Foz do Iguaçu, diz que a prevenção não funciona e o diagnóstico é tardio. "O grande problema é que só vamos tratar a pessoa quando ela está arrebentada. Ela só chega ao serviço de saúde quando se envolve em acidentes de trânsito ou homicídios. A minoria chega aos CAPs", diz. Aiex também critica a Política de Álcool e Drogas porque não há diagnóstico precoce, os programas de saúde da família não estão capacitados para atender os casos e o país precisa de médicos treinados.

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Já a psiquiatra e diretora do Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) da Secretaria de Estado da Saúde, Marta Ana Jezierski, diz ser necessária uma campanha nacional para combater o alcoolismo na mesma dimensão da feita para coibir o fumo. Na década de 90, uma parcela de 30% da população brasileira fumava. Agora, a média caiu para 17%, segundo a médica. O rigor na aplicação das leis também é urgente, incluindo a da tolerância zero nas estradas. "O Brasil tem lei, mas é comum ver meninos saindo com vodcas de padarias", diz.

Na avaliação da professora de Farmacologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Roseli Boerngen de Lacerda, o que falta no Brasil é maior participação da comunidade na prevenção. Para ela, não basta criar locais para tratamento. É preciso cobrar aplicação das leis e fazer denúncias. "Não pode ser algo só da saúde e da polícia, ter que ter algo integrado." Roseli também destaca que a cultura do país não favorece as mudanças. "O álcool é muito inserido na cultura do país. Mudar um padrão de comportamento socialmente aceito e estimulado é muito difícil."

Ações ajudam na prevenção e tratamento

O governo federal, por meio da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), informou que mantém ações de prevenção, tratamento e reinserção social de usuários e dependentes de álcool e de outras drogas. Preventivamente, a Senad promove capacitações de educadores, conselheiros municipais, assistentes sociais e profissionais da saúde. Também distribui cartilhas informativas para todo o país sobre o tema álcool e jovens, além de promover concursos nacionais sobre temas relacionados à prevenção de drogas.

Desde 2007, o país conta com uma Política Nacional sobre Álcool que tem entre seus pilares a redução do "uso indevido do álcool e sua associação com a violência e a criminalidade". Entre os objetivos da política estão: o incentivo à fiscalização de publicidade de bebidas alcoólicas para não expor crianças e adolescentes, a ampliação do acesso a usuários e dependentes a serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), o apoio ao desenvolvimento de campanhas de comunicação, a intensificação da fiscalização às medidas proibitivas sobre venda e consumo de álcool em universidades, entre outras.

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No Paraná, a professora Roseli Boerngen de Lacerda coordena um programa para capacitar profissionais da saúde, resultado de uma parceria entre a Senad e universidades brasileiras, incluindo a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Por meio da ação, médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais são treinados para detectar de forma precoce o envolvimento das pessoas com o álcool e outras drogas para, assim, evitar problemas futuros, como a dependência. Até agora, em todo país, já foram formados 15 mil profissionais.

Estrutura

Para o tratamento de alcoólicos, o Ministério da Saúde oferece atendimento em 258 Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPSad) em todo o país. Equipes do Programa Saúde da Família também estão orientadas a identificar casos. No Paraná, há 21 CAPs especializados em álcool e drogas. O estado também dispõe de ambulatórios, leitos e Hospital Dia para atender os pacientes. Além do governo, algumas universidades brasileiras também têm programas de prevenção para evitar o avanço do uso do álcool entre os alunos, entre elas a Universidade de Campinas e a UFPR.

Alguns municípios também promovem ações. Em Diadema (SP), por exemplo, desde 2002, a Lei de Fechamento de Bares restringe a abertura de estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas das 23 às 6 horas, todos os dias. Em 2004, uma pesquisa feita pela Universidade Federal de São Paulo e pelo Pacific Institute for Research and Evaluation (Pire), organização não-governamental americana especializada em danos e mortes causados pelo consumo de álcool, apontou que 273 vidas foram poupadas por causa da lei.

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