O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes mandou retirar do ar cerca de 150 perfis nas redes sociais, segundo o relatório parcial da Câmara dos Estados Unidos. O documento diz ainda que outros 300 perfis correm risco de serem censurados (leia na íntegra) e que o ministro censurou críticos ao governo. Contas de parlamentares, jornalistas, influencers e até juíza e pastor foram derrubadas. Parte das decisões se baseou em uma resolução criada pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dias antes do segundo turno de 2022, e em artigos do Código Penal e Eleitoral.
Entre os alvos das decisões de Moraes estão os deputados Carla Zambelli (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG), Otoni de Paula (MDB-RJ), Zé Trovão (PL-SC), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Gustavo Gayer (PL-GO), os ex-deputados Daniel Silveira e Cristiane Brasil, e o senador Alan Rick (União-AC). No documento foram reveladas decisões do STF para serem cumpridas pelo X, antigo Twitter. Em várias delas, a determinação de remoção de perfis e conteúdos também é direcionada a outras plataformas como Facebook, Instagram, Telegram, Rumble.
O relatório afirma que foram alvos de Moraes “membros conservadores do Legislativo federal, jornalistas, membros do judiciário e até mesmo um cantor gospel e uma estação de rádio pop – em outras palavras, qualquer pessoa com uma plataforma para criticar o governo de esquerda no poder”.
Além de parlamentares, também são citados o influencer Monark; os jornalistas Paulo Figueiredo, Guilherme Fiuza, Rodrigo Constantino, Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio e Adrilles Jorge; a juíza Ludmila Grilo e o pastor André Valadão, entre outros.
Há também algumas decisões contra organizações da esquerda, como o site Sleeping Giants Brasil e o Partido da Causa Operária (PCO). O partido tem um histórico de críticas ao STF, especialmente a Moraes. Em 2021, o líder do PCO chegou a defender a liberdade de expressão da direita.
Relatório aponta que decisões são fundamentadas em combate ao “discurso de ódio” e “subversão da ordem”
Muitos dos pedidos de suspensão feitos por Moraes não apresentam fundamentação, são apenas ofícios. Outro conjunto de decisões se apoia em resolução que deu poder de polícia ao TSE (leia mais abaixo). Alguns juristas, como Marcelo Cerqueira e André Marsiglia, apontam que há a possibilidade da existência de outros documentos não divulgados que possam ter a fundamentação jurídica mais elaborada para as determinações. O STF, após a divulgação dos documentos, comentou apenas que “todas as decisões do STF são fundamentadas”, e que os documentos apresentados no relatório são apenas ofícios com ordens judiciais enviados às plataformas.
Outro trecho do relatório da Câmara dos EUA afirma que “este relatório provisório expõe a campanha de censura do Brasil e apresenta um estudo de caso surpreendente de como um governo pode justificar a censura em nome de acabar com o chamado discurso de ‘ódio’ e a ‘subversão’ da “ordem’”. Ao todo, são apresentadas 49 documentos do STF, 34 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outras duas dos tribunais regionais eleitorais de Rondônia e Mato Grosso, respectivamente.
O documento afirma ainda que “o tribunal brasileiro, especificamente Moraes, justificou a censura com o argumento de que ‘é necessário, apropriado e urgente interromper a possível disseminação de discursos de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática, bloqueando contas em redes sociais’”.
Em uma decisão contra a Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil (OACB), de 28 de fevereiro de 2023, que consta no relatório, Moraes alega que as redes sociais da instituição teriam sido utilizadas “no contexto dos atos antidemocráticos” de 8 de janeiro de 2023, com a “possibilidade de utilização para o incentivo de atos ilícitos”, “especialmente para disseminar fake news contra o Estado Democrático de Direito e contra as suas instituições”.
Moraes considerou que a OACB poderia ser enquadrada em nove crimes previstos pelo Código Penal por publicar conteúdos que teriam incentivado os atos do 8 de janeiro. Seriam eles terrorismo, ameaça, perseguição, dano, incitação ao crime, incêndio majorado, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Resolução criada pelo TSE em outubro de 2022 é usada nas decisões
Moraes também julgou que conteúdos que questionassem o processo eleitoral, com críticas a urnas eletrônicas, por exemplo, provocavam “desordem informacional” e prejudicavam os trabalhos eleitorais. Para derrubar esses perfis e posts, as críticas eram enquadradas no artigo 296 do Código Eleitoral, que tipifica o crime de promover “desordem que prejudique os trabalhos eleitorais”. Outro artigo frequentemente usado pelo presidente do TSE é o 286 do Código Penal, que considera crime “incitar, publicamente, a prática de crime”. Segundo juristas, é necessária a comprovação de conexão entre a fala de um e um crime praticado por outro para haver incitação ao crime.
Entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2022, o TSE aprovou a resolução 23.714, que dá ao próprio órgão poder de polícia para derrubar conteúdos sem provocação de terceiros ou do Ministério Público. É nesta resolução que o TSE se apoia para solicitar diversas remoções de perfis que apontavam supostas inconsistências nas urnas eletrônicas e no sistema eleitoral brasileiro, por exemplo. Além das suspensões, os alvos das decisões estavam proibidos de abrir novas contas, com base em dispositivos da mesma resolução.
Durante a inauguração de um novo departamento do TSE para combater fake news em março deste ano, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Carlos Baigorri afirmou que o órgão também vai usar poder de polícia para a remoção de conteúdos. Baigorri afirmou que a Anatel usará “a plenitude de seu poder de polícia junto às empresas de comunicações para retirar do ar todos os sites e aplicativos que estejam atentando contra a democracia por meio da desinformação e do uso de inteligência artificial para deepfakes”.
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