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A Assembleia Estadual da Califórnia aprovou em 31 de agosto uma regra que, na prática, ameniza a punição para abusadores sexuais de menores de idade quando o autor é homossexual. A justificativa foi colocar os gays em situação de igualdade com os heterossexuais, já que as regras para homens que abusam de garotas eram diferentes. Mas a reação foi intensa. Mesmo alguns parlamentares democratas (do mesmo partido do autor da proposta) criticaram o texto.
A deputada democrata Lorena Gonzalez afirmou: “Eu não posso, em plena consciência, como mãe, compreender como sexo entre uma pessoa de 24 anos e uma de 14 poderia ser consensual. Como isso poderia não ser uma ofensa registrável?”, indagou a parlamentar.
O caso trouxe à tona o debate sobre a normalização da pedofilia. Em um campo nebuloso, fértil para o surgimento de teorias conspiratórias, é preciso navegar com cautela. Mas é fato que existem dois movimentos claramente delineados e que, intencionalmente ou não, podem resultar na exposição de crianças e adolescentes a predadores sexuais. Um é o que pretende modificar a linguagem para enfatizar que os pedófilos não são abusadores, mas apenas pessoas com um tipo de inclinação irreversível – que pode ser vista como doença. O segundo é o dos movimentos que pedem abertamente a legalização da relação sexual com crianças ou adolescentes.
Hoje, a pedofilia consta na CID-10, a classificação de referência da Organização Mundial de Saúde. A definição do termo é esta: “Preferência sexual por crianças, garotos ou garotas ou ambos, normalmente de idade pré-púbere ou no início da puberdade”. Apesar de falar em crimes como estupro de vulnerável e a divulgação de imagens de crianças com teor sexual, o Código Penal do Brasil não usa a palavra “pedofilia”. Juntando um fato com o outro, alguns militantes progressistas afirmam que “pedofilia não é crime”. Mas isso não é verdade.
Nem a Medicina nem o Direito detêm o monopólio da linguagem. A palavra “psicopata”, por exemplo, possui um sentido específico na Psiquiatria, e nem mesmo aparece no Código Penal. Mas, na linguagem comum, o termo “psicopata” é claramente atribuído a assassinos que não demonstram qualquer remorso e, se não forem contidos, cometem crimes em série. Da mesma forma, o termo “pedófilo” tem, para o público, uma conotação que pode divergir daquela atribuída pela Medicina: a da pessoa que abusa ou pretende abusar de menores de idade. De fato, o dicionário Michaelis inclui “ato sexual de adulto com crianças” como um dos significados de pedofilia. Por isso, muitos veem na tentativa de modificar a linguagem um esforço para normalizar a prática. Amenizar a carga negativa do termo “pedófilo” ajudaria, então, a legitimar o próprio abuso sexual de crianças.
Em outros países, diferentes iniciativas têm ido na mesma direção. Em inglês, tem ganhado força o termo “Minor-Attracted Persons” (“Pessoas Atraídas por Menores”), sintetizado na sigla MAP. Algumas entidades já usam o termo. Uma delas é a “The Global Prevention Project”, que afirma, em sua página na internet, ser “uma rede de apoio privada e confidencial para MAPs”. O grupo oferece um fórum cujo objetivo é “reduzir o estigma atrelado à pedofilia ao fazer as pessoas saberem que um número substancial de pedófilos NÃO molesta crianças”.
A justificativa utilizada por esses grupos é a de que, agindo assim, será possível reduzir o número de criminosos que cometem abuso sexual contra crianças. Ou seja: para proteger as crianças da pedofilia, eles argumentam que é preciso reduzir o estigma contra os pedófilos. O raciocínio falha ao ignorar o papel que esse estigma, atrelado ao medo da lei, exerce sobre potenciais estupradores.
Mas o debate semântico não seria tão importante se não fosse acompanhado de outros sinais preocupantes que apontam para uma flexibilização da censura legal e moral às relações sexuais envolvendo crianças ou jovens no início da adolescência.
Lobby pró-pedofilia
Ainda mais grave do que a tentativa de sequestrar o significado da palavra “pedofilia” é o esforço para modificar a legislação, para que a prática deixe de ser crime. E, embora numericamente reduzida, essa corrente existe há décadas. Nos anos 1970 e 1980, o lobby oficial era mais visível. Em 1972, a convenção da Coalizão Nacional de Organizações Gays dos Estados Unidos aprovou uma plataforma que incluía, entre outros itens, a “revogação de todas as leis regulando a idade de consentimento sexual”.
Até 1994, a NAMBLA, uma organização abertamente favorável à pedofilia, fazia parte da ILGA, uma associação internacional criada para representar gays, lésbicas, transexuais e intersexuais – o grupo é tão importante que hoje integra o Conselho Econômico e Nacional das Nações Unidas.
Uma consequência da revolução sexual dos anos 1960 foi a ideia de que as preferências sexuais, por mais excêntricas que sejam, são inatas, não podem ser modificadas e devem ser abraçadas. Era apenas uma questão de tempo até que os pedófilos passassem a reivindicar o status de orientação sexual. Hoje, a tese encontra eco na academia. Em 2010, por exemplo, um estudo da Universidade de Harvard concluiu que “a pedofilia é uma orientação sexual e é improvável que ela seja modificada”. O raciocínio se baseia em uma espécie de determinismo, segundo o qual os pedófilos não têm responsabilidade por serem pedófilos. Essa posição tem consequências graves. Um exemplo: em muitos países, a “orientação sexual” é protegida por leis “antidiscriminação”. Se a pedofilia for considerada uma orientação sexual, portanto, terá a mesma proteção legal de lésbicas e gays.
“Dada a compreensão questionável de que [a pedofilia] é uma orientação [sexual], especialmente em homens, passa a ser entendida como imutável e, portanto, como não merecedora de tratamento. E, para isso, são utilizados os mesmos argumentos aplicados aos homossexuais”, escreveu J. Paul Fedoroff, professor da Universidade de Ottawa, em um artigo publicado em junho deste ano pelo Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law.
Até 2003, havia leis nos Estados Unidos proibindo a sodomia. Essas regras há muito não eram aplicadas, mas simbolizavam uma certa censura moral e o reconhecimento de que a relação heterossexual, por ser a mais adequada aos propósitos da natureza e a única com potencial de gerar filhos, merece um reconhecimento especial do Estado. Mesmo na Grécia, onde a homossexualidade era de alguma forma tolerada, jamais houve algo como o casamento gay. Platão, por exemplo, afirma em seu livro “As Leis” que a relação homossexual deve ser coibida porque não está “de acordo com a natureza”.
Mas este paradigma mudou radicalmente. Na academia, a tese predominante é a de que não existe qualquer diferença essencial entre heterossexuais e homossexuais, transgêneros e “cisgêneros”, monogâmicos e poligâmicos. Tudo é válido, desde que seja consentido. Como consequência lógica, o consentimento é a única barreira contra a legitimação da pedofilia: de forma geral, pressupõe-se que a criança não tem condições de dar um consentimento verdadeiro a um ato sexual.
Mas também essa barreira vem sendo destruída rapidamente. O fenômeno das crianças e adolescentes “transgênero” são o exemplo mais significativo disso. Garotos e garotas ainda na infância estão sendo submetidos a terapias irreversíveis simplesmente porque acreditam pertencer ao sexo oposto. Entidades médicas e autoridades públicas em muitos países não só toleram esse procedimento como o incentivam.
Em muitos casos, as mudanças são ainda mais profundas. A Bélgica permite, desde 2014, a eutanásia infantil. A premissa é a de que a criança tem, sim, a capacidade de fazer escolhas dessa importância por si própria. É pertinente lembrar que um princípio universal do Direito (e da própria lógica argumentativa) é o “a maiori, ad minus” – geralmente citado no português como “quem pode o mais, pode o menos”. Por que uma criança que pode mudar de sexo e até decidir sobre o fim da própria vida não poderia dar seu consentimento a uma relação sexual?
As duas premissas, portanto, estão dadas. A primeira: qualquer relação sexual consentida é tão legítima quanto as outras. A segunda: a criança tem condições de tomar decisões sobre a própria sexualidade. Uma vez que se aceitam as premissas, a aceitação da pedofilia se torna uma conclusão inevitável.
Embora pareçam novas, portanto, essas ideias são fruto de sementes plantadas há quatro ou cinco décadas. Uma das expoentes do movimento feminista radical, a pioneira feminista Shulamith Firestone lançou em 1971 o livro “A Dialética do Sexo”, no qual ela utiliza o marxismo para pregar uma espécie de revolução sexual que incluiria a liberação absoluta do incesto e da pedofilia: “Sem o tabu do incesto, adultos podem retornar dentro de algumas gerações a uma sexualidade polimórfica mais natural (...). Relações com crianças incluiriam tanto sexo genital quanto a criança fosse capaz – provavelmente, bem mais do que nós cremos agora", ela propõe, em suas conclusões. Esse livro é hoje definido pela Oxford Review, da Universidade de Oxford, como uma obra que “permanece um marco crucial no campo dos estudos de gênero”.
É necessário enfatizar que apenas uma minoria das feministas e militantes de esquerda defende, explicitamente ou conscientemente, a pedofilia. Mas uma parte considerável deles defende as premissas que, se aplicadas completamente, abririam espaço para a redução da proteção legal a crianças e adolescentes. Além disso, ao elevarem figuras como Shulamith Firestone ou Simone de Beauvoir (que assinou manifestos públicos contra regras impedindo o sexo entre adolescentes e adultos na França), eles acabam legitimando essas mesmas vozes que argumentam em favor da legalização da pedofilia.
Jean-Marie Lambert, professor aposentado da PUC de Goiás e especialista no assunto, afirma que o avanço da agenda pró-pedofilia é planejado. “Uma decisão judicial ou do Legislativo que legaliza um determinado comportamento se torna um trampolim para buscar um passo a mais. O que está em jogo aqui é o desmonte da família via o desmonte do pátrio poder”, explica. O professor coleciona citações de feministas radicais e ideólogos de esquerda que defendiam o fim das restrições de idade para relações sexuais “consentidas”.
A aprovação da Lei na Califórnia, portanto, está longe de ser um episódio isolado. E há poucos indícios de que será a última vez que o assunto virá à tona.