Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro foi alvo de críticas após vetar o projeto de lei que criava o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Basicamente, o projeto garantia o acesso de mulheres carentes a absorventes – e “outros cuidados básicos de saúde menstrual” não especificados. Para os opositores do presidente, Bolsonaro teria desrespeitado os direitos “das pessoas com útero” ou “pessoas que menstruam”. Mas, deixando de lado a questão política, será que a distribuição de absorventes – ou o combate à “pobreza menstrual”, para usar um termo da moda – é, de fato, necessária?
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Os dados sobre o assunto não são tão claros. Mulheres não gostam de falar sobre menstruação, então é natural que as pesquisas sobre isso sejam deficitárias. Informações vindas de fontes questionáveis – como as próprias empresas que fabricam e vendem absorventes, também podem não refletir a realidade. Mesmo assim, há informações que podem ajudar a entender a dimensão do problema, como renda e saneamento básico.
O impacto da baixa renda é simples de entender. Se uma mulher sobrevive em meio à extrema pobreza, com renda média de menos de R$ 90, é bem provável que ela irá optar por gastar seus recursos com outros itens – alimentação especialmente, em vez de comprar absorventes. Seria absurdo querer que ela agisse diferente.
Por mais que existam produtos desse tipo bastante acessíveis, algum por menos de R$ 3 o pacote, quando se leva em conta a renda mensal, ainda é um custo alto. Segundo dados do CadÚnico, apenas até abril deste ano eram pelo menos 40 milhões de pessoas (14,5 milhões de famílias) brasileiras nessa situação. Outras 8,5 milhões de pessoas sobrevivem com renda mensal entre R$ 90 a R$ 178. Fica difícil para uma mulher com essa renda bancar, além de todos os itens necessários para sua sobrevivência, absorventes higiênicos.
Higiene
Outro ponto fundamental é o acesso a saneamento básico. Embora para quem tenha uma vida mais confortável seja difícil imaginar a vida sem um banheiro ou água encanada, essa é a realidade de milhões de brasileiros. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), referentes a 2018, quase metade da população brasileira (100 milhões de pessoas) não tem acesso a sistema de esgoto e 35 milhões sequer ter acesso à água tratada.
Sem as condições mínimas para fazer a higiene básica – tomar um banho, lavar as mãos, por exemplo, o problema da falta de absorvente se intensifica ainda mais. Diferentemente de outras questões fisiológicas, que normalmente podem ser controladas até certo ponto, a menstruação não o é. Ter um banheiro à disposição, com as condições mínimas de uso, é uma necessidade para as mulheres.
Um relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) mostrou que pelo menos 713 mil meninas brasileiras não têm sequer acesso a um banheiro ou chuveiro em casa. Em relação às escolas, o último censo escolar também mostra uma situação difícil: pelo menos 4,3 mil escolas públicas não possuem um banheiro para uso dos alunos. E aqui o índice reflete a mera existência de um banheiro - e não se ele é seguro (contra qualquer tipo de violência), com a disponibilização de itens básicos como papel higiênico, sabonete ou mesmo água encanada.
Consequências
Assim, é compreensível que, de fato, meninas deixem de ir à escola por falta - não só de absorventes - mas de condições mínimas de higiene. Ninguém iria querer correr o risco de passar por uma situação vexatória, quanto mais no meio de uma sala de aula. Bastante comentado, o documentário Period. End Of Sentence, mostra essa realidade de forma extrema.
Na Índia, o uso de absorventes está fora do cotidiano de quase metade das mulheres por questões financeiras e também culturais – na cultura indiana mulheres menstruadas são consideradas impuras e por isso devem ser isoladas. O documentário mostra a instalação de uma máquina artesanal para a fabricação de absorventes de baixo custo em um vilarejo e o impacto disso na comunidade. Há vários depoimentos de meninas que deixaram a escola por falta do material, e dos constrangimentos que elas vivem no dia a dia. A maioria, em vez de absorvente, usa restos de pano, e roupas velhas durante o período menstrual.
O uso de tecidos, papel higiênico, jornal ou outros materiais “alternativos” em vez de absorventes é o meio encontrado por muitas mulheres sem acesso ao produto industrializado. Alguns podem dizer que era exatamente isso – o uso de “paninhos” – que nossas bisavós faziam. De fato, era isso mesmo. E até hoje há movimentos que pregam o uso de “paninhos” mais modernos, batizados de absorventes reutilizáveis. Mas isso não é saudável, pelo menos no que se refere ao uso de restos de tecido ou roupas usadas, muitas vezes já sujas.
Além do evidente risco de que os panos e papeis não sejam suficientes para manter o fluxo menstrual sob controle, sem sujar as roupas, esses materiais não são higiênicos. A menstruação nada mais é do sangue e em contato com o ar se deteriora e começa a se decompor. Manter o corpo em contato com isso por longos períodos não é bom e pode, sim, levar a problemas de saúde, como infecções, por exemplo. Se o material usado já estiver contaminado, como no caso de roupas sujas ou papeis velhos, o risco é ainda maior. Quando não são tratadas, infecções podem facilmente levar as mulheres a problemas reprodutivos, incluindo a infertilidade. Em casos extremos de infecção bacteriana, a mulher pode desenvolver até o chamado choque tóxico, condição gravíssima que pode até matar.
Acesso a absorvente
A proposta de distribuição de absorventes vetada por Bolsonaro, como bem explicou a jornalista Madeleine Lacsko, colunista da Gazeta do Povo, continha tantos problemas que é até difícil entender como a proposta passou por tantas comissões no Legislativo sem que ninguém apontasse seus pontos conflituosos.
Dias depois do veto, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, disse que o governo federal criaria um programa para distribuir absorventes para mulheres "em situação de vulnerabilidade". Segundo ela, a proposta já estaria sendo discutida “há meses” dentro do governo. A reportagem procurou o ministério para saber mais sobre esse suposto projeto, mas não teve retorno.
Ainda sem detalhes sobre a nova proposta do governo, os parlamentares prometeram derrubar o veto e fazer o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual sair do papel. Mas, mesmo que o veto seja derrubado, com tantas deficiências de redação e lacunas a serem preenchidas, dificilmente a proposta poderá, de fato, ser colocada em prática - pelo menos não antes de serem aprovados outros projetos e alterações na atual legislação. E talvez esse programa federal nem seja necessário.
Diversos estados já aprovaram ou estão discutindo programas e legislações estaduais para facilitar o acesso das mulheres que vivem em situação precária a absorventes. Parte dessas propostas envolve a inserção dos absorventes entre os itens da cesta básica ou essenciais – o que pode baixar o custo do produto e facilitar a inclusão do mesmo nas cestas distribuídas a famílias carentes.
Também há iniciativas para a compra e distribuição direta do produto a estudantes e populações vulneráveis ou ainda programas de incentivo a doações dos itens de higiene e posterior destinação às mulheres vulneráveis. Ao menos 19 estados já aprovaram algum programa nesse sentido (Amazonas, Bahia, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe).
No Sergipe, por exemplo, a distribuição dos absorventes é feita a partir de doações feitas pelo programa SD Solidários, que recolhe doações alimentos, produtos de higiene e absorventes de empresas e da comunidade. O programa também aceita doação de dinheiro, usado para a compra dos alimentos e outros itens essenciais. Mais tarde, são montadas cestas para a distribuição às famílias carentes do estado.
Já na Paraíba, o programa Dignidade Menstrual sancionado em setembro deste ano prevê distribuir mensalmente absorventes a mulheres cadastradas no CadÚnico. Em estados como Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo, o foco será a distribuição nas escolas, para garantir o acesso das estudantes ao material.
Por fim, se engana quem acha que o Brasil está no fim da fila em relação a políticas públicas de distribuição de absorventes. O primeiro país do mundo a oferecer o produto de graça “a quem precisar” foi a Escócia e isso partir de 2020. Lá, a discussão começou em 2016 e em novembro do ano passado acabou sendo aprovada. Agora, as autoridades locais terão dois anos para se adaptar e garantir o acesso dos itens a quem precisar. A ideia é que a distribuição continue a ser feita em escolas e universidades (que já acorria desde 2018) e seja expandida também a farmácias, centros comunitários e de saúde. O custo estimado do programa será de cerca de R$ 137,4 milhões ao ano.
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