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Imersos em uma mentalidade corrompida pela inanição cultural, doutrinação ideológica e desprezo à realidade, os tribunais e as redações tornaram-se o baluarte do crime. A maioria esmagadora dos veículos do jornalismo “profissional” ao invés de apontar o horror do crime e a barbárie dos marginais, volta suas manchetes contra as forças policiais e ignora o sofrimento das vítimas. No outro flanco, uma parcela significativa dos magistrados desgasta o prestígio de suas cortes, motivados pelo ativismo, colocam em liberdade criminosos condenados, dificultam prisões em flagrante e travam uma cruzada em defesa das mais insanas políticas de desencarceramento.
Acuada pelo crime, a população não entende a lógica peculiar dos magistrados que, antagônica à justiça, leva à descrença no sistema. Dessa forma, compele as pessoas à vingança privada, quando possuem os meios, ou ao desespero e à desesperança, quando indefesas. Tudo amplificado pelos canais da grande mídia, retratando o crime exclusivamente em duas vertentes: sensacionalista e simplista; ou minimizando os atos mais bárbaros, romantizando a história dos criminosos tratados como vítimas de uma sociedade “opressora”.
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Nessa narrativa policiais são algozes, saem de suas casas com o único objetivo de executar, torturar e extorquir. Ainda que majoritariamente os profissionais estejam empenhados no combate à criminalidade de maneira íntegra, o fato é solenemente ignorado. Policiais de todas as corporações não temem mais os tiros e as granadas das facções, o grande horror é que o sacrifício pessoal, inerente à profissão, seja configurado como crime contra a humanidade. O desafio é convencer família e amigos que, apesar da narrativa hegemônica da mídia, eles dedicam suas vidas a uma causa justa.
Ativismo judicial
A raiz dessa realidade é um movimento que perverte a natureza da magistratura: o ativismo judicial. O juiz abandona o exercício da atividade, essencialmente técnica e judicial, adotando uma interpretação expansiva das leis. A justificativa é a defesa ética, a garantia dos direitos fundamentais e o funcionamento da sociedade. Entretanto, as autoridades judiciais não gozam de legitimidade democrática, já que não são eleitas. Adicione-se a politização das decisões judiciais e a extrapolação dos limites institucionais e temos a receita da insegurança jurídica constituída.
"Os juízes não têm ideia de qual é a vontade do povo. Nós trabalhamos em palácios de mármore", Antonin Scalia, juiz da Suprema Corte Americana.
Os resultados são decisões judiciais desconectadas do conceito de justiça, da firme vontade de retribuir a cada um com medida exata de seus atos, aumentando o sentimento de impunidade que alimenta a reincidência criminal. Infelizmente, este posicionamento está disseminado em todas as esferas do Judiciário, sejam em suas diversas instâncias recursais, em suas entidades de classe e mesmo através do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Uma das ações mais determinantes para a ampliação do sentimento de impunidade foram as audiências de custódia, instituídas por resolução do CNJ em 2015, e ratificada pela Lei 13.964, de 2019. É o instrumento jurídico mais efetivo na formação do sentimento de leniência do Estado em relação ao crime. Sob o manto de proteção dos direitos humanos, as audiências são responsáveis pela liberação de uma parcela significativa de criminosos presos em flagrante. Em artigo publicado no site Conjur, em 2015, o ministro do STF Ricardo Lewandowski comemorava que, até o mês de outubro daquele ano, as audiências haviam sido responsáveis pela liberação de 45,98% das mais de 20 mil pessoas presas em flagrante, apenas no estado de São Paulo.
“Resultados levantados em meados de outubro já contabilizavam a apresentação de 20.836 pessoas presas em flagrante delito a um juiz. Entre esses, 9.852 (45,98%) acabaram liberados e 11.554 (53,93%) tiveram a prisão preventiva decretada”.
Uma amostra evidente do ativismo judicial foi a recente decisão do ministro Edson Fachin que proibiu, liminarmente, operações policiais nas “comunidades” cariocas usando como justificativa a crise sanitária da Covid-19. A decisão foi ratificada pelo plenário da corte suprema e, desde agosto de 2020, operações policiais nas favelas só podem ser realizadas em hipóteses absolutamente excepcionais.
A decisão estabeleceu uma série de requisitos burocráticos para as ações policiais. Agora as operações precisam ser "devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro", responsável pelo controle externo da atividade policial.
A decisão do Supremo Tribunal parece um remake, de mau gosto, da política adotada pelo governo Brizola, na década de 80, que proibia operações policiais nas favelas. A decisão permitiu que as facções criminosas atuassem por vários meses sem a preocupação com operações policiais. Os traficantes de todas as regiões dominadas tiveram tempo para ampliar suas forças de defesa territorial. Com as barricadas reforçadas, efetivo bem armado e arsenais abastecidos, as facções estão estabelecendo um controle sobre as comunidades como nunca.
Uma trágica confirmação da nocividade desse tipo de extrapolação da atividade judicial foi a recente tragédia no morro do Jacarezinho, onde Comando Vermelho resistiu à atuação da Polícia Civil de maneira incomum e violenta. Normalmente, os traficantes usam o poder bélico para garantir a evacuação de seus “quartéis”, garantindo a fuga de líderes e a retirada de estoques de drogas. No caso do Jacarezinho, os criminosos preferiram o combate direto, defendendo suas posições no terreno.
"Para quem conhece um pouco de operação, o traficante atira para fugir, mas ontem eles atiraram para guardar posição, para matar. Eles tinham ordem para confrontar, eles não correram"
Delegado Allan Turnowski, secretário estadual de Polícia Civil, em pronunciamento durante o funeral do policial civil André Frias, de 48 anos, executado pelos traficantes na operação
Contudo, a decisão da Suprema Corte mais controversa e questionável foi o habeas corpus que libertou um dos mais importantes líderes de facção do país, André de Oliveira Macedo, o André do Rap. A decisão foi tomada em outubro de 2020 e, para surpresa de suas excelências, o criminoso fugiu do país. Apesar da alegada legalidade do ato, a libertação de um criminoso dessa categoria configura-se como um símbolo de impunidade, uma lembrança de que aqui, muitas vezes o crime compensa.
Mas o ativismo não está restrito às altas cortes, ao contrário, juízes que atuam nas instâncias iniciais do campo penal, formados sob a influência da criminologia crítica, enxergam a persecução penal sob uma ótica marxista, revolucionária. Para a grande parte dos operadores do direito, os criminosos são vítimas de uma sociedade opressora e precisam ser protegidos. Os policiais são vistos como agentes de opressão estatal, que garantem o quadro de injustiça social. Dessa forma, gera-se uma inversão ideológica que justifica, até mesmo, a afronta ao texto legal, sempre em nome da utopia social.
Fruto da política da “Panela de Pressão”, do general Golbery do Couto e Silva, a contaminação ideológica não está restrita às faculdades de Direito, mas tomou conta de todo ambiente acadêmico e cultural do país. O militar acreditava que não se podia combater os movimentos de esquerda sem deixar um espaço de escape, sob a ameaça de “estourar a panela”. Desconhecendo a soberania do poder da cultura sobre o poder político e bélico, os militares deixam como válvula de escape para esquerda as universidades e todo o cenário cultural. Desavisadamente, deram aos militantes o ambiente ideal para a implementação da revolução cultural idealizada por Antonio Gramsci.
O papel da imprensa
Mas o trabalho mais efetivo na vitimização dos criminosos é realizado pela mídia. Longe de relatar os fatos como aconteceram, os veículos recorrem a cortes que desprezam ou minimizam as atrocidades, retratando os marginais de forma romantizada. A cobertura jornalística da operação no morro do Jacarezinho, ocorrida em 6 de maio, é um exemplo clássico.
Sem que nenhuma investigação tivesse sido realizada, as manchetes da maioria dos grandes jornais já qualificavam o evento como chacina ou massacre, poucas horas depois da ação policial. Os soldados do Comando Vermelho, que combateram ferozmente os agentes da Polícia Civil, eram chamados de meninos. Apesar da execução do policial civil André Frias, as reportagens focaram exaustivamente em retratar os aspectos mais singelos da vida e da história dos marginais. Ao mesmo tempo, ignoravam o sofrimento da família do policial executado na ação. Analistas e comentaristas assumiram a posição de que a operação, na verdade, foi um massacre e qualquer posição divergente foi identificada como obscurantismo, ignorância, falta de lucidez ou, pior, extremismo de direita.
Mesmo em franca decadência, as mídias tradicionais ainda possuem uma força residual avassaladora. Os canais de TV aberta e as rádios ainda são as formas mais acessíveis de informação para a maior parte da população. Seja pelo costume ou dificuldade de acesso à internet de qualidade, a verdade é que a grande mídia possui uma capilaridade que são impensáveis ao jornalismo independente e às mídias alternativas.
Existe uma sinergia ideológica entre a justiça e a mídia, fruto da hegemonia do pensamento progressista que domina escolas e universidades. O discurso é a isca para seduzir e recrutar militantes, que serão instrumentos revolucionários operando por meio do exercício profissional. Os trabalhadores da grande mídia são fundamentais nesse projeto.
Alimentado pelas teorias e discursos de intelectuais, políticos e juristas, o jornalismo “profissional” amplifica o poder destrutivo das narrativas. A consequência é o abandono dos princípios fundamentais da profissão, como informar fatos de interesse público e lutar pela liberdade de pensamento e expressão. Tudo que se publica atualmente, na grande mídia, dever ser medido e pesado pela lógica do politicamente correto, validado pelos censores do fact-checking e abençoado pelos sacerdotes da esquerda. Caso contrário é blasfêmia. Raros e corajosos são os profissionais e veículos de comunicação que conseguem sobreviver sem obedecer ao esquema.
O enfoque dado pela imprensa na cobertura da operação ocorrida no Jacarezinho é um case para constatação do uso dos jornalistas como intelectuais orgânicos. A cobertura teve como como foco a desqualificação da atuação dos policiais e a vitimização dos criminosos. Chegando-se ao ápice quando uma jornalista, de uma grande rede de notícias, em momento de constrangedora sinceridade, deixa escapar o sentimento que simboliza a cobertura midiática da operação:
“Morreu um policial, e a polícia diz que estavam todos fortemente armados. Mas parece que não sabiam atirar, né? Porque foram 24 de um lado e apenas 1 policial”.
Aparentemente a matemática macabra da jornalista exige um número igualitário ou proporcional de mortos para que a ação policial seja justificada. Qual seria a proporção ideal? Um policial para cada criminoso? Na verdade, a frase esconde uma sutileza perversa, ao fazer a comparação a jornalista quer colocar em um mesmo patamar, como forças legítimas e equivalentes, a polícia e o crime. O ativismo progressista, eleva a patifaria a níveis inacreditáveis, e nos obriga a explicar o óbvio. Não se pode comparar as forças policiais, regulares, oficiais e formadas por profissionais às hostes infernais, formadas por homicidas, criminosos da pior espécie, milícias que usam suas comunidades como escudo em suas operações de guerrilha urbana.
Para ilustrar essa realidade, outras duas ocorrências tiveram uma cobertura, no mínimo, insensível por arte do jornalismo “profissional”. O primeiro foi o ataque a uma creche no município de Saudades, em Santa Catarina, por um homem de 18 anos, que deixou três crianças mortas, todas com menos de dois anos. Além disso, uma professora e uma agente educacional foram mortas, todas as vítimas foram executadas com golpes de facão, no dia 4 de maio. O segundo foi a execução do fotógrafo Thiago Freitas, de 32 anos, dia 17 de maio, que morava em uma comunidade dominada pelo tráfico de drogas. Ao pedir silêncio para que sua filha dormisse, recebeu como resposta um tiro na cabeça. Os criminosos eram seus vizinhos.
Os dois crimes aconteceram quase concomitantemente à operação no Jacarezinho, dia 6 de maio. Apesar de toda a selvageria envolvida nos dois casos citados, a cobertura da jornalística passou longe de retratá-los com a linguagem e a virulência usados no caso da operação policial. Não houve artigos indignados, qualificações de massacre ou chacina e o silêncio de ONGs e de defensores dos direitos humanos pode ser ouvido de maneira ensurdecedora. Não vimos reportagens especiais sobre as famílias das vítimas e a repercussão foi desproporcionalmente menor do que no caso do Jacarezinho. Essa, além de uma enxurrada de matérias sensacionalistas, contou com notas de repúdio de faculdades, organizações de magistrados e, até, de membros da defensoria pública. Talvez porque a morte de pessoas comuns, inocentes, não seja tão útil ao propósito ideológico da patota das redações quanto a “chacina” dos “meninos” do tráfico.
Agências checadoras, a nova censura
A face mais sinistra da imprensa militante são as famigeradas agências de fact-checking. Sob o pretexto da defesa da verdade, tornaram-se as censoras modernas, os sacerdotes da verdade. As agências são responsáveis por determinar quais notícias são falsas ou verdadeiras. E nós, cordeirinhos, devemos aceitar passivamente a decisão de nossos pastores, afinal eles sabem o que é melhor para nós. O problema é que toda vez que um leitor, mais atento, resolve averiguar uma checagem do prelado da razão, ele acaba com a seguinte pergunta emanada dos textos sagrados: Quem verifica os verificadores?
Após a morte de Thiago Freitas, os leitores e espectadores da grande mídia perceberam o óbvio, o desprezo solene da imprensa sobre ocorrido [Leia a matéria da Gazeta do Povo sobre o crime]. Muitas pessoas começaram a protestar, cobrando a manifestação de políticos, ONGs, artistas e da mídia. Reclamavam de um silêncio incômodo, alguns classificaram de ensurdecedor. Prontamente, as agências publicaram suas checagens, dizendo que não era verdade que políticos de esquerda e demais agentes do progressismo não teriam se manifestado.
Contudo, os textos das agências confirmavam a timidez com que os luminares do esquerdismo se posicionaram sobre a execução do fotógrafo. Enquanto no caso do Jacarezinho, em poucas horas após os fatos, mesmo sem nenhuma investigação, havia centenas de manifestações, reportagens e notas de repúdio à atuação das forças policiais. No caso de Thiago houve uma cautela incomum, e a intensidade dos comentários tinha a força avassaladora de um coice de grilo. Mostrando a violenta hipocrisia das agências que fingem não notar a chocante e evidente desproporção nas narrativas. Tentam convencer o público incauto de que há uma equivalência, um equilíbrio, entre as narrativas.
O que os agentes de checagem não percebem, ou não querem confessar, é que a morte de inocentes não é útil para reforço de suas pretensões ideológicas. Convencer o público que o crime é fruto da injustiça social e da opressão do Estado.
Somos testemunhas de uma era de decadência do jornalismo profissional, obcecados na missão de formar opiniões, os profissionais da grande mídia abandonaram os princípios básicos de seu ofício, informar, apurar as histórias, averiguar e, acima de tudo, apresentar os fatos como aconteceram.
Conclusão
Todo ambiente educacional e cultural está dominado hegemonicamente pela mentalidade revolucionária, ou seja, pelo “estado de espírito, permanente ou transitório, no qual um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade – senão a natureza humana em geral – por meio da ação política; e acredita que, como agente ou portador de um futuro melhor, está acima de todo julgamento pela humanidade presente ou passada, só tendo satisfações a prestar ao “tribunal da História”(Olavo de Carvalho). Dessa forma, fica muito mais fácil entender como os profissionais, tanto da imprensa, quanto da magistratura, não têm pudor em tomar atitudes frontalmente antagônicas aos princípios mais fundamentais da ética para o exercício de suas profissões.
Por mais contraditório que possa parecer, a sanha revolucionária anseia pela inversão de posições, acredita na demolição dos valores tradicionais e da sociedade de classes como meio para o surgimento de uma nova, e utópica, realidade. Quando se colocam em defesa do crime e da barbárie, seja por meio de sentenças evidentemente injustas ou reportagens que exaltam e romantizam o crime, os profissionais estão praticando a inversão revolucionária da realidade. Manifestam-se como a facção mais perigosa que já habitou o planeta, aqueles que se julgam capazes de criar um mundo melhor, mas que desconhecem a natureza desse, que está posto.
Sob o pano de fundo da justiça social, dos direitos humanos e do progressismo, e, em nome da justiça revolucionária, o direito, que deveria prover justiça ao povo, e a mídia, que deveria informar e expressar sua voz, tornaram-se aliados na degradação social e cultura. O resultado: criminosos se transformado em vítimas, policiais, em carrascos e a população abandonada à própria sorte. Todo o caos alavancado pelo narcotráfico e crime organizado. O resultado é o estado de anomia ao qual estamos submetidos. A reação a este estado de coisas não virá da política, é preciso abandonar as aspirações sebastianistas[**], que parecem nos acompanhar desde a formação do país, e tomar nas mãos nosso destino. A construção de uma elite intelectual comprometida com a retomada dos espaços educacionais e culturais parece fundamental. A exaltação da cultura criminal e a vitimização dos marginais é apenas o sintoma de uma doença muito mais grave.
* Major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), especialista em segurança pública e colunista da revista Blitz Digital
[**] Crença mística, propagada em Portugal logo após o desaparecimento de D. Sebastião 1554-1578, segundo a qual este rei, como um novo messias, retornaria para levar o país a outro apogeu de glórias e conquistas.