A Lei 8.213/91, que determina que as empresas com mais de 100 empregados preencham de 2% a 5% das vagas com pessoas com deficiência, está longe de ser cumprida efetivamente no Brasil. Só no Paraná, cerca de 9 mil postos de trabalho deveriam ser preenchidos por esse público. Mas a realidade deixa um buraco nesse setor.
Para discutir formas de realizar a inclusão de portadores de deficiência, o Sistema Federação das Indústrias do Estado do Paraná promoveu na semana passada o I Encontro Internacional de Ações Inclusivas, em Curitiba.
Entre os palestrantes, estava a brasileira Eliana Sampaio, que estudou e fez carreira na França. Especialista na área de qualificação e inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, ela veio a convite do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para dar a sua contribuição e falar sobre sua experiência como diretora do Conservatório Nacional de Artes e Ofícios (CNAM), instituição similar ao Senai na França, e como professora da cadeira de Deficiência, Trabalho e Sociedade. Veja os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo.
Por que é importante que o portador de deficiência seja incluído no mercado de trabalho?Antes de mais nada porque é um direito humano reconhecido mundialmente. A integração profissional é uma forma de não estigmatizar essa população. É um ato que resgata um direito de uma parte da população mundial que foi excluída. Um outro ponto importante é que as indústrias e o sistema econômico do país deixavam de lado essas pessoas que têm um potencial a ser desenvolvido.
Que diferenças a senhora observa entre o Brasil e países mais desenvolvidos em relação a políticas de inclusão de pessoas com deficiência?Vou falar sobretudo da França, que é o que eu mais conheço. A França adota um sistema de cotas que é parecido com o sistema brasileiro. O princípio é muito parecido, mas a aplicação é bem diferente. Na França, o empresário pode empregar, comprar material, acolher estagiários aprendizes ou ainda fazer uma contribuição voluntária para um fundo que promove adaptações nos locais de trabalho de pessoas com deficiência ou ainda equipara salários, quando a produtividade da pessoa com deficiência é um pouco menor. Outra diferença fundamental: com a I Guerra Mundial, a Europa se deparou com o problema grave de várias pessoas mutiladas. Então já faz muito tempo que eles pensam neste assunto.
O que fazer para aumentar a inclusão?Eu acho que os programas como o que o Senai está desenvolvendo atualmente são a linha correta. São programas integrados, específicos, e com parcerias para formação e capacitação de pessoas com deficiência.
O que poderia mudar no nosso sistema de cotas para que ele seja efetivamente cumprido? Uma idéia muito boa, do sistema francês, é a de que o dinheiro arrecadado por empresas que não empregam pessoas com deficiência seja revertido para um fundo. Outro ponto interessante, para a fase de transição, é a existência de incentivos do governo. Tendo em vista o atraso enorme com que a questão começa a ser resolvida no Brasil, a responsabilidade não pode ficar só com os empresários. O subsídio, no entanto, é válido numa fase de transição. Até para que os próprios empresários se dêem conta de que pessoas com deficiência, empregadas em função da competência, são chance de dar lucro para ele.
O que os empresários podem fazer?Cumprir as cotas estabelecidas é o essencial, o mínimo necessário para o avanço da situação das pessoas com deficiência. Mas é necessário mais, é preciso que ele promova uma integração com responsabilidade, preparando quem vai lidar com pessoas com deficiência.
E a sociedade civil pode fazer alguma coisa?Encarar as pessoas com deficiência como pessoas. Olhar o potencial delas. Não olhar o que elas não podem fazer, mas o que elas podem fazer.
Qual a melhor forma de qualificar pessoas com deficiência para o mercado de trabalho?Trabalhar em parceiras, fazendo uma capacitação para a indústria, comércio, educação, por exemplo, como fazem o Senai, o Sesc e o Sesi, por exemplo. Além disso, tem de ir na origem do problema. Já sabemos que essa questão é um problema não por causa da deficiência, mas por causa da pobreza.
O que a senhora aprendeu trabalhando com esse público específico?Ouvimos muito que temos de tratar a pessoa com deficiência como qualquer pessoa. E o meu maior aprendizado é de verificar que isso é bem verdade (risos). A expectativa da gente em relação a outras pessoas é uma influência muito forte. Então, em geral, estamos esperando que os portadores de deficiência sejam menos capazes. E, às vezes, conseguimos até criar essa incompetência. Eu acho que esse é um grande aprendizado: de antemão dizer sempre que eu sei que essa pessoa é competente.
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