Se ficar em casa, em isolamento social, é a ordem em vigor em praticamente todo o país por causa do novo coronavírus, como fica a situação de filhos de casais separados quando há a guarda compartilhada? Para especialistas do Direito ouvidos pela reportagem - assim como para os da área médica -, a recomendação neste momento é respeitar o distanciamento que se impõe por causa da pandemia.
Normalmente, na guarda compartilhada, os filhos costumam passar parte da semana com o pai e outra com a mãe, além de revezar sábados e domingos na casa de um e de outro. Mas algumas questões têm chegado aos escritórios de advocacia de família e até aos tribunais de Justiça: como fica a convivência das crianças e adolescentes com o pai, quando a guarda é da mãe? Eles continuam a ter o direito de ver o pai em fins de semana alternados? E aqueles que vivem em outra cidade, podem receber visita dos filhos?
O juiz Maurício Cavallazzi Póvoas, da 1.ª Vara da Família de Joinville (SC), decidiu nesta semana que um pai que mora em Curitiba poderia conversar, via aplicativo, com sua filha de 11 anos que vive com a mãe em Joinville. O pai tinha autorização judicial para ficar com a menina de sexta a domingo a cada 15 dias, mas, por causa da pandemia do coronavírus, a mãe da criança entrou com uma ação para que a Justiça determinasse qual seria a melhor solução no momento.
O magistrado levou em consideração a orientação do Ministério da Saúde no Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo coronavírus, que recomenda o isolamento em casa para evitar que o vírus seja transmitido de pessoa a pessoa, de modo sustentado.
"É totalmente desnecessário o deslocamento de ambos, salientando que haveria exposição ao risco de contaminação pelo coronavírus por parte do genitor, recebendo a menor em sua casa, e da menor, em adentrar em outro estado e estar na residência do genitor", diz a sentença.
Com a decisão, pai e filha podem conversar por telefone ou vídeo por um período de 25 minutos, de sexta a sábado. A decisão tem prazo de 15 dias, mas pode ser prorrogada.
A advogada catarinense Grace Costa, especialista em Direito de família e sucessões, faz recomendação semelhante aos clientes que a consultam.
"Os pais que residem em cidades diferentes estão impossibilitados de conviver com os filhos nesse momento, porque há necessidade de transporte coletivo aéreo ou terrestre e a exposição ao vírus seria maior, o que não é indicado. Então a recomendação é para que usem os meios tecnológicos, telefone e chamadas por vídeo, para se fazer presentes e manter o vínculo de convívio com as crianças, ainda que à distância”.
O mesmo vale para pais que continuam trabalhando fora e têm contato com outras pessoas que podem estar contaminadas, ainda que assintomáticas. E, claro, para aqueles que fazem parte de algum grupo de risco.
“Um pai médico não deve voltar a se encontrar presencialmente com seus filhos tão cedo. O direito à saúde da criança está acima de tudo. Ele precisa achar outras formas de se manter em contato com os filhos, abusar da tecnologia", afirma a advogada.
“Não é férias. A recomendação que temos dado é para que o pai aguarde passar a quarentena e depois observe o que é melhor para a criança. Se isso se tornar mais longo, aí sim é preciso reavaliar para preservar a convivência”, explica Grace.
Ela também salienta a necessidade de uma restrição temporária nos casos dos pais que moram na mesma cidade dos filhos, mas não têm automóvel. Pelo bem das crianças, o pai que precise pegar ônibus ou carro de aplicativo para buscar o filho, deve deixá-lo com a mãe por enquanto.
Direito de convivência entre pais e filhos não pode colocar avós em risco
A promotora de Justiça de Família de Mesquita (RJ), Viviane Alves Santos Lima, aponta outras questões a serem consideradas em relação à guarda compartilhada de filhos nesse momento de pandemia. Ela destaca que o direito à convivência entre pais e filhos pode ser questionado quando isso põe em risco não só as crianças, mas outras pessoas com quem elas convivem.
“Imaginem que em uma das residências em que a criança vive também se encontra avó idosa. A ida desta criança para a casa do outro genitor colocará a vida de pessoas do seu círculo familiar em risco, o que deve ser evitado”, afirma a promotora.
“As eventuais e necessárias modificações da convivência, tanto as consensuais quanto as feitas pelas vias judiciais, terão que envolver os interesses da coletividade e não só das pessoas da família que possam ser infectadas pela doença”, disse a promotora em artigo recente, publicado pelo blog do Jota.
Judiciário em ação durante a quarentena
Nas últimas semanas, as Varas de Família têm enfrentado situações relacionadas à falta de bom senso entre pais e mães que se separaram por via litigiosa. Eles não conseguem estabelecer diálogo nem acordo sobre a rotina dos filhos durante a quarentena sem a interferência de um juiz.
Ações de suspensão de visitas cabem em casos extremos, em que um dos pais verifica que o outro está sendo negligente. No começo de março, um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou o pedido da mãe de uma menina de dois anos, com problemas respiratórios, e determinou, em caráter liminar, que o pai ficasse 15 dias sem ver a filha.
Ele tinha acabado de voltar de uma viagem à Colômbia. O número de casos confirmados de Covid-19 lá ainda era pequeno e ele não tinha sintomas da doença, mas o desembargador José Rubens Queiroz Gomes, da 7.ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, considerou o risco à saúde da menina e concluiu que não haveria grande prejuízo se a criança permanecesse mais nove dias sem ver o pai.
A decisão pôs fim a uma breve batalha judicial. O pedido da mãe tinha sido negado por um juiz de primeira instância - ainda que o Ministério Público tivesse se manifestado a favor de que o pai respeitasse o período de quarentena antes de voltar a compartilhar a guarda da menina.
Para a advogada Melissa Telles Barufi, presidente da Comissão da Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão do desembargador foi acertada e protegeu a criança, que poderia ter a situação de insuficiência respiratória agravada, caso fosse contaminada pelo coronavírus.
Em artigo publicado no site do IBDFAM, ela ressaltou, porém, que em casos assim “o genitor que está na companhia da criança ou do adolescente deve explicar a situação de que o outro genitor está se ausentando por motivo de saúde e segurança, para protegê-los de uma possível contaminação. E, obviamente, facilitar o máximo possível o contato remoto, inclusive incentivando os menores.”
A advogada Grace Costa faz o mesmo alerta. “Ao impedir a convivência, sem justificativa, sem critério, também cabe medida [judicial]. Quem pratica alienação parental pode se aproveitar dessa situação para impedir essa convivência”, explica.
Alienação parental é quando a mãe ou pai impede o contato do outro com o filho ou fala mal, deixando a criança confusa e até com medo. É infração legal passível de multa e até de perda da autoridade parental (Lei 12.318/2010).
“O pai que comprovar que não viajou, não tem sintomas e estiver sendo impedido de ver o filho, pode acionar o Judiciário para poder conviver [com a criança ou com o adolescente]. As escolas estão suspensas, as crianças estão em casa, a determinação é de isolamento social, mas isso não quer dizer que é isolamento de pais e filhos", ressalta a advogada de família.
“A rotina das crianças mudou, ainda não se sabe qual será o calendário das férias, e não temos como prever que proporções o isolamento vai tomar. Mas, se depois formos precisar continuar em isolamento social, a guarda precisa ser rediscutida”, diz a advogada.
A promotora de Justiça da Família Viviane Lima reforça que os pais devem aproveitar as tecnologias de comunicação, para que eles e outros parentes, como os avós, por exemplo, possam conversar com a criança. Ela recomenda temperança e resiliência aos chamados casais parentais.
“Estamos atravessando período inédito e nossa capacidade de enfrentar o desafio repercutirá no desenvolvimento das crianças", destaca a promotora.
"Observe-se que o sistema judicial está operando em regime de plantão e, muitas vezes, o juiz que tomará conhecimento do pedido de mudança de cláusula de guarda ou busca e apreensão para exercício da convivência não estará a par de toda a profundidade do drama familiar que lhe é apresentado”, diz a promotora.
Serviço
Por decisão do Conselho Nacional de Justiça (Resolução 313/2020), os prazos processuais estão suspensos desde o dia 20 de março e os tribunais trabalham com estrutura física mínima, atendendo apenas casos considerados de urgência, que demandam a intervenção imediata do Poder Judiciário e que não podem ser realizados por meio virtual.
Juízes e servidores dos mais de 90 tribunais do país estão fazendo despachos, reuniões, audiências e até sessões de julgamento de maneira exclusivamente virtual. Quem precisar entrar em contato com alguma unidade judiciária ou administrativa, deve consultar o site do Tribunal de Justiça de seu estado para buscar informações. Muitos atualizaram a lista de telefones e endereços de e-mail que devem ser acionados enquanto durar a quarentena.
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