O inquérito sobre o suposto esquema de corrupção e tráfico de influência instalado no Ministério da Educação (MEC) durante a gestão de Milton Ribeiro deverá retornar ainda nesta semana ao Supremo Tribunal Federal (STF). Com novos detalhes do caso em mãos, caberá à ministra Cármen Lúcia, após ouvir a Procuradoria-Geral da República (PGR), definir que rumo tomarão as investigações, especialmente no que toca a um possível envolvimento do presidente Jair Bolsonaro (PL), e em que medida ele pode ser implicado.
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No inquérito, a Polícia Federal investiga a suspeita de que, na liberação de recursos do MEC e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Milton Ribeiro favorecia prefeitos indicados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que tinham acesso privilegiado ao ex-ministro. Os pastores cobrariam propina para privilegiar alguns municípios. Na semana passada, após a prisão de Ribeiro, veio à tona outra suspeita, de que Bolsonaro pode ter antecipado ao ex-ministro que ele, Ribeiro, seria alvo de busca e apreensão.
Cármen Lúcia vai supervisionar a investigação porque em março, quando o escândalo foi revelado, ela foi sorteada como relatora. Na época, Ribeiro ainda era ministro e por isso o inquérito começou no STF. No fim daquele mês, ele deixou o cargo e, sem foro privilegiado, o caso desceu para a primeira instância da Justiça Federal em Brasília.
De lá para cá, a Polícia Federal conseguiu coletar grande quantidade de provas, decorrentes da quebra de sigilos bancário e telefônico, buscas e apreensões, e interceptação telefônica dos alvos, que incluem também um ex-assessor de Ribeiro no MEC, Luciano Musse, e do genro de Arilton, Helder Bartolomeu.
As suspeitas sobre Bolsonaro
São essas provas que aportarão no gabinete da ministra. Entre elas está a gravação de uma conversa telefônica em que Milton Ribeiro conta à sua filha, no dia 9 de junho, que naquele mesmo dia, ele teria recebido uma ligação de Bolsonaro. Falou que o presidente estava com um “pressentimento” de que “eles” poderiam querer atingi-lo por meio do próprio ex-ministro. “Ele [Bolsonaro] acha que vão fazer uma busca e apreensão”, afirmou Ribeiro à filha.
O Ministério Público Federal viu indício de que o presidente sabia da operação com antecedência e vazou para o ex-ministro que ela seria realizada – a busca e apreensão ocorreu duas semanas depois, no último dia 22. Nesse intervalo de tempo, Ribeiro poderia se desfazer de provas que incriminassem a ele e ao presidente.
Se isso de fato ocorreu, Bolsonaro pode ser investigado pelos crimes de violação de sigilo funcional com dano à administração judiciária e favorecimento pessoal, segundo o MPF. E, por isso, o caso foi remetido ao STF.
A essas suspeitas se relaciona outra, apontada pelo delegado do caso, Bruno Callandrini, de possível interferência do presidente na PF, em razão da não transferência de Milton Ribeiro para Brasília, no dia da prisão. A corporação alegou insuficiência de recursos para embarcar o ex-ministro de avião para a capital federal, onde ele prestaria depoimento numa audiência de custódia. O interrogatório acabou não ocorrendo porque o desembargador Ney Belllo, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, derrubou a prisão preventiva no dia marcado.
Nesta semana, parlamentares de oposição enviaram à ministra pedidos para investigar Bolsonaro também pelos crimes de organização criminosa e obstrução de justiça. O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) afirmou que o grupo de pastores que intermediava a relação de prefeitos com Milton Ribeiro “agia em nome, a pedido e por delegação” de Bolsonaro, a quem caberia a “condução e coordenação das práticas criminosas”. O deputado Israel Batista (PSB-DF), por sua vez, alega que Bolsonaro pode ter embaraçado as investigações por vazar a operação.
A avaliação de Cármen Lúcia
Nesta semana, Cármen Lúcia encaminhou os dois pedidos para a PGR. Em relação ao último, que aponta possível obstrução de Justiça, ela registrou no despacho a “gravidade do quadro narrado”. A avaliação condiz com o que ela escreveu em março, quando abriu o inquérito sobre Ribeiro: “nos autos se dá notícia de fatos gravíssimos e agressivos à cidadania e à integridade das instituições republicanas que parecem configurar práticas delituosas”.
Na época, fora revelado que, em abril do ano passado, o pastor Gilmar Santos teria cobrado dinheiro de um prefeito do Maranhão para protocolar seus pedidos de recursos no MEC. O pedido teria ocorrido após uma reunião do prefeito com Milton Ribeiro, num restaurante em Brasília. Após a liberação da verba, o pastor ainda teria cobrado do prefeito um quilo de ouro.
Agora que Cármen Lúcia está de volta à supervisão do caso, sua primeira providência, após receber as novas provas colhidas pela PF, será remeter a investigação à PGR. No órgão, caberá à subprocuradora Lindôra Araujo avaliar se inclui Bolsonaro na investigação e por quais suspeitas: se apenas pelo suposto vazamento da operação contra Ribeiro, para favorecê-lo na investigação; ou se, também, por possível envolvimento na liberação de recursos do MEC. Tudo dependerá do que estiver nos relatórios e gravações feitas pela PF na investigação.
Há expectativa, por exemplo, de que entre as provas haja gravação de conversa ou troca de mensagens entre Bolsonaro e Milton Ribeiro, se de fato os dois tenham se comunicado, como contou o ex-ministro à filha. As interceptações começaram em 17 de maio e Ribeiro também disse à filha que costumava mandar versículos para o presidente.
O que pode acontecer a partir de agora
Na semana passada, o MPF pediu ao juiz Renato Borelli, que apenas essa gravação, e sua transcrição pela PF, fossem remetidas ao STF, deixando o resto da investigação na primeira instância. O procurador que assinou o pedido, Anselmo Lopes, apontou apenas indícios de vazamento da operação a Ribeiro por parte de Bolsonaro, e não de envolvimento direto do presidente no suposto esquema de corrupção e tráfico de influência no MEC.
Por outro lado, o órgão corroborou a hipótese da PF de que haveria uma organização criminosa no ministério, com divisão de tarefas para cometimento dos crimes de corrupção, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa.
Borelli, no entanto, resolveu remeter ao STF todo o inquérito. Assim, caberá à PGR, e depois a Cármen Lúcia, verificar em que extensão Bolsonaro poderia estar envolvido: se apenas no suposto vazamento da busca e apreensão, ou também no favorecimento a pastores.
Na primeira hipótese, a ministra faria uma cisão do inquérito, fatiando a parte relativa a Bolsonaro para que fique no STF, e devolvendo o restante da investigação, contra Milton Ribeiro e os pastores, para a primeira instância. Mas se considerar que o presidente também pode estar envolvido na liberação de recursos do MEC, ela pode deixar toda a investigação no próprio STF, onde Bolsonaro seria investigado junto com o ex-ministro e os pastores.
Uma última hipótese é a PGR avaliar que não há indícios suficientes contra Bolsonaro em qualquer dessas suspeitas. Neste caso, o órgão pediria a Cármen Lúcia para devolver todo o inquérito para a primeira instância, isentando o presidente – e a ministra, neste caso, não teria como negar o pedido. Trata-se de uma possibilidade razoável, dado o histórico de pareceres contrários do órgão ao avanço de qualquer investigação sobre o presidente.
Em abril, por exemplo, a subprocuradora Lindôra Araujo, que conduzia as investigações sobre o MEC, em nome da PGR perante o STF, pediu a Cármen Lúcia para arquivar um outro pedido da oposição para investigar Bolsonaro no caso. O pedido citava outra gravação de Milton Ribeiro, na qual ele dizia que havia recebido um “pedido especial” do presidente “sobre a questão do [pastor] Gilmar”. A subprocuradora disse que a mera menção ao chefe do Executivo por terceiros não justificava sua investigação, mesmo diante de registros que mostravam que os pastores frequentavam o Palácio do Planalto.
“Semelhantes elementos não são suficientes para inclusão do representado como investigado pelos eventos em questão, eis que não apontam indícios da sua participação ativa e concreta em ilícitos penais”, escreveu Araújo, em manifestação enviada ao STF em 19 de abril. No documento, ressaltou ainda que a Constituição dificulta a responsabilização do presidente para conferir ao país “estabilidade política” e para impedir a “banalização” de investigações.
O que dizem as defesas de Bolsonaro e Ribeiro
Na última sexta-feira (24), questionado sobre o áudio mais recente de Milton Ribeiro, o advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef, negou que ele tivesse e tenha repassado a Ribeiro qualquer informação privilegiada sobre as investigações do caso.
“Não comete crimes, não tem acesso a nenhum tipo de informação privilegiada, não interfere na Polícia Federal [...] Não existe nada entre o presidente e o ex-ministro, eles não têm contato, eles não se falam. O presidente cuida do Brasil. Ele não é advogado e nada tem que ver com seu ex-ministro e investigações contra seu ex-ministro”, disse, em entrevista improvisada a jornalistas no Palácio do Planalto.
A defesa de Ribeiro, por sua vez, já indicou que tentará anular as investigações. Alega que, se havia ao menos desde 9 de junho, data da gravação de Ribeiro, indícios de possível envolvimento de Bolsonaro, para supostamente vazar a ele medidas da investigação, o juiz de primeira instância Renato Borelli deveria ter remetido imediatamente ao STF o inquérito.
Em nota à imprensa divulgada na última sexta, o advogado Daniel Bialski afirmou que Borelli pode ter cometido abuso de autoridade e agido com ativismo judicial. “Observando o áudio citado na decisão, causa espécie que se esteja fazendo menção a gravações/mensagens envolvendo autoridade com foro privilegiado, ocorridas antes da deflagração da operação. Se assim o era, não haveria competência do juiz de primeiro grau para analisar o pedido feito pela autoridade policial e, consequentemente, decretar a prisão preventiva”, afirmou.
Nesta terça-feira (28), em ofício ao desembargador que soltou o ex-ministro, o advogado disse que Borelli atua com parcialidade. Ainda não há qualquer manifestação da defesa de Ribeiro no STF junto a Cármen Lúcia.
Senado também pode investigar o caso em CPI
Enquanto permanece a dúvida sobre o rumo das investigações na Justiça, no Senado a oposição já conseguiu reunir as assinaturas necessárias para criar a CPI do MEC. A instalação agora só depende de um ato do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Na justificativa do pedido, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que o MEC foi transformado em “balcão de negócios” com o objetivo de angariar apoio político para o presidente. “Diante desse cenário, é forçoso que se investigue o enquadramento da conduta do Ministro da Educação e do Presidente da República (no mínimo, autor intelectual ou mandante dos atos criminosos), ao menos em tese, em alguns tipos penais bastante relevantes”, diz o requerimento.
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