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Entrevista

Como nas guerras, violência nas escolas pode ter fim

Acordos de paz. Assim como as nações põem fim às guerras, as escolas podem acabar com a violência. Essa é a sugestão do hebeatra (especialista em adolescentes) e fundador do Instituto Nacional para a Paz e os Direitos Humanos (INPAZ), Feizi Milani. Autor do livro, "Tá Combinado! Construindo um Pacto de Convivência na Escola", Milani sugere que as escolas criem combinados que levem em conta a democrática participação de educadores e estudantes. Um combinado nada mais é do que uma definição feita pelo grupo para as normas que irão reger o ambiente.

Com essa idéia simples, Milani defende que, apesar da modernização da sociedade, a escola e os professores continuam adotando posturas e utilizando metodologias que funcionaram no passado, mas hoje precisam ser revistas. "Quando o professor reconhece que crianças, adolescentes ou jovens junto com ele podem construir conhecimento, então ele constrói uma relação de respeito e abre espaço para construir uma cultura de paz na escola", diz.

O médico esteve em Curitiba na semana passada, fazendo palestra e ministrando oficinas para professores de escolas participantes da Associação Projeto Não-Violência Brasil. Confira os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo.

Gazeta do Povo – Houve muitos casos de violência em escolas nos últimos dias em Curitiba e a Polícia Militar é chamada, em média, 17 vezes por dia nesses lugares. É adequado aplicar o pacto de convivência nesses casos?Feizi Milani – Sim. Como são feitos os acordos de paz quando há guerra entre nações, povos e grupos? Esses grupos ou as pessoas em conflito sentam, cada um diz suas reivindicações e chegam a um entendimento. Com certeza o pacto de convivência pode ser aplicado nesses contextos nas escolas que já tenham vivenciado situações graves de violência. Não é o momento ideal, mas pode.

E quando a violência ultrapassa os muros da escola, por exemplo na atuação de gangues ou do tráfico dentro da escola. Como encontrar a paz?Quanto a gangues, ou traficantes, jogarem bomba, invadirem escola, ou ameaçar invadir, é o tipo da situação na qual eu concordo com a intervenção policial. São as pouquíssimas situações nas quais eu acho que a presença da polícia na escola é justificável e necessária.

A violência na escola é reflexo do que é vivenciado pela comunidade em torno dela?A violência dentro da escola, em partes, é reflexo da violência fora da escola. Existem escolas situadas em bairros extremamente violentos, mas em que a violência não entra. Se a comunidade está satisfeita com a escola, não permite que seja atacada. Há uma violência dentro da escola que às vezes independe do panorama do bairro.

E como seria este outro tipo de violência?É gerada na própria escola. É institucional e difícil de ser percebida porque está mascarada em regulamentos, procedimentos e tradições. O simples fato de, na maioria das escolas, os estudantes não terem voz ativa na condução do processo educativo é uma violência. Os adolescentes têm muito a nos dizer, a nos ensinar e a ajudar a fazer da escola um ambiente agradável, prazeroso e envolvente.

Então, os conflitos têm origem na insatisfação da comunidade em relação à escola?Esse é um dos fatores mais importantes, mas não o único. Eu trabalhei num bairro, em Salvador, onde há duas escolas municipais separadas apenas por um muro. Uma tinha muros de dois metros de altura e já tinha problema de roubo e pichações. A outra tinha uma grade de meio metro e o portão estava sempre aberto. Nunca foi invadida, roubada ou atacada. A diferença está no relacionamento com a comunidade. Numa escola, a comunidade se sentia dona. A outra excluía, gritava com os alunos, destratava os pais e era depredada.

Qual seria a solução para resolver a questão da violência nas escolas?Estamos lidando com vários tipos de violência e cada um deles precisa ser analisado em si mesmo. Os casos de violência dentro da escola estão chocando a sociedade porque ela sempre foi considerada um terreno neutro, seguro, um lugar pacífico. É um templo do saber, um lugar sagrado. Na nossa cultura materialista isso foi se perdendo e agora até dentro da igreja e da escola se mata.

No seu livro, o senhor apresenta um pacto de convivência para a paz nas escolas. O que seriam os combinados?A idéia do combinado é extremamente simples. Nas escolas falamos de cidadania, de ética, de democracia, mas em geral não damos oportunidade às crianças e aos adolescentes de praticarem isso. O pacto de convivência é um exercício prático e real de cidadania. Não existe a Constituição Federal? Vamos então criar a Constituição de dentro da sala de aula, de dentro da escola. Naturalmente que os alunos irão transgredir as normas que eles mesmos pactuaram, só que a grande diferença é que não serão mais crises e sim oportunidades educativas.

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