Até bingo financia o grupo criminoso
O estatuto apreendido em Curitiba detalha que o PCC está firmado em conceitos de "hierarquia e disciplina", dentro da "ética do crime". Para desenvolver suas ações e suportes, a cartilha destaca a existência de uma estrutura financeira, "a cargo e responsabilidade do comando".
O texto não faz referência a valores, mas agentes penitenciários e policiais ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que cada membro paga à facção uma mensalidade de cerca de R$ 600. Além de lançar mão de ações como assaltos para ampliar a arrecadação, o grupo também realiza bingos e rifas, inclusive dentro das penitenciárias.
Um agente da PEP-I conta que, em dias de vista, os familiares dos presos são obrigados a comprar rifas e cartelas. Os bingos com prêmios como carros e motos chegaram a ser realizados nas galerias. "Se a família não comprar, o preso paga o pato lá dentro", diz o agente.
O ex-secretário nacional de Segurança José Vicente da Silva minimiza a organização financeira do grupo, apontando que esta se resume a dar suporte jurídico e "pagar ônibus para que as famílias visitem os presos". "Uma prova da fraqueza financeira são as rifas e bingos. Crime organizado não faz isso."
A ética do crime
Veja em algumas frases o que diz o estatuto do PCC.
"Lutar sempre pela Paz, Justiça, Liberdade, Igualdade e União, visando o crescimento da massa e da organização, respeitando a ética do crime."
"Aquele integrante que tentar causar divisão dentro do Comando, desrespeitando esses critérios, será excluído e decretado!"
"Aquele integrante que for para a rua tem a obrigação de manter contato com a sintonia da sua quebrada (...), deixando claro que não somos sócios de um clube e sim integrantes de uma facção criminosa (...). Sendo assim, o Comando não pode admitir acomodações, fraquezas, diante da nossa causa."
"O Comando não admite entre seus integrantes estrupadores (sic), homossexuais, pedófilos, caguetas (sic), mentirosos, covardes, opressores, chantagistas (sic) (...) e outros que ferem a ética do crime!"
"O crime fortalece o crime"
"Aquele que usufruir dos benefícios que o Comando conquistou e pedir para sair (...) será avaliado. Se constatado que o mesmo agiu com oportunismo, o mesmo poderá ser visto como traidor, tendo uma atitude covarde e o preço é a morte!"
"Toda missão destinada deve ser concluída (...). Aqueles que forem aprovados, tem como dever acatá-la (...). Essas ações incluem principalmente ações de resgate e outras operações restritas do Comando (...). Aquele irmão que falhar na missão por fraqueza, deslealdade e desinteresse será automaticamente excluído pela sintonia. Se vazar ideias, a cobrança é a morte!"
"Vida se paga com vida, sangue se paga com sangue!"
Saída passa pelo enfrentamento, diz especialista
Oficialmente, o governo do Paraná passou a admitir os braços do PCC no estado em dezembro do ano passado. Em janeiro, no entanto, o governador Beto Richa (PSDB) negou a atuação da facção por aqui. A Secretaria de Estado da Segurança Pública nunca falou abertamente sobre o grupo. Sempre que questionada, a pasta se manifesta por meio de uma nota enxuta e lacônica.
Apesar disso, estima-se que o PCC esteja no Paraná desde 1998, quando três de seus fundadores foram transferidos de São Paulo para a Penitenciária Central do Estado (PCE), em Piraquara. Para o coordenador do Núcleo de Estudos Sobre Segurança Pública da Universidade Tuiuti e delegado da Polícia Federal, Algacir Mikalovski, reconhecer a presença do grupo é o primeiro passo para combatê-lo.
"É preciso ter um posicionamento de enfrentamento. É preciso ir ao encontro do problema para controlá-lo. Isso o governo não fez abertamente até agora", disse.
A falta de posicionamento claro do governo em relação à facção gera angústia em policiais e delegados. "A gente lida com esses bandidos todos os dias. É gente ruim. Aí vem o governador e nega [que o PCC atue no estado]. Ficamos feito bobos", sintetiza um delegado.
Já o coordenador do Departamento Penitenciário, Cezinando Paredes, ressalta que o estado nunca perdeu o domínio dos presídios. "Estaria mentindo se dissesse que não estamos em situação de alerta, mas em nenhum momento foi perdido o controle das unidades prisionais do estado."
"O Comando não tem limite territorial. Todos os integrantes que forem batizados são componentes do PCC independente da cidade estado ou país." O trecho consta de um manuscrito em folha de almaço, encontrado no fim do ano pela Polícia Civil na casa de um traficante, em Curitiba. Trata-se de uma versão do estatuto do Primeiro Comando da Capital, facção nascida na década de 1990 nos presídios paulistas. É mais um elemento que evidencia a presença do grupo criminoso no Paraná.
O texto um manual de conduta dos "faccionados" e que faz referência à "ética do crime" não é o primeiro documento a comprovar que o "Comando" se esgueira dentro e fora dos presídios paranaenses. Em janeiro, a Gazeta do Povo teve acesso a vídeos de detentos bradando o grito de guerra do PCC na Penitenciária Estadual de Piraquara-I (PEP-I), além de fotos com as siglas da facção na parede de celas.
Duas cidades do Paraná estavam na rota de fuga de um plano para libertar Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder da facção, preso no interior de São Paulo. Agentes penitenciários, delegados, sindicatos e especialistas em segurança dão indícios de como o "partido do crime" tem se articulado no estado.
"Batismo"
Os novos faccionados são abordados pelo PCC logo ao dar entrada nos presídios. Se for "batizado" na facção, o detento recebe proteção, auxílio jurídico e sua família chega a ter apoio financeiro. Em contrapartida, continuará ligado ao PCC quando ganhar liberdade e permanecerá leal ao grupo.
"Eles ampliam suas garras atuando como se fossem uma cooperativa de presos", pontua o ex-secretário Nacional de Segurança José Vicente da Silva. "Se o preso se filiar, é obediência eterna. Se o Comando mandar render um agente, ele rende. Mandou matar, ele mata", ressalta um agente penitenciário.
O artigo 11 do estatuto deixa isso claro: "toda missão destinada deve ser concluída"; "aquele irmão que falhar, por fraqueza, deslealdade e desinteresse" será excluído. Aos considerados traidores, "a cobrança será a morte".
No Paraná, optou-se por isolar os membros do PCC. Eles estão concentrados principalmente na PEP-I e no bloco 4 da Penitenciária Central do Estado (PCE). Um agente conta que na PCE os líderes da facção chegavam a se reunir a portas fechadas com diretores do presídio. Usufruíam de regalias, como visitas facilitadas e acesso a produtos de fora da prisão. "Eles mandam ali. O poder que têm é maior do que se imagina."
A facção está presente também em delegacias de Curitiba, embora de forma menos ostensiva. "Todos sabem quem são [os faccionados] e que atrás deles tem uma rede, irmanada em torno do mesmo objetivo. Só não tem o grito de guerra, mas tem todo o resto", diz o presidente do Sindicato dos Investigadores (Sipol), Roberto Ramires.
Há um mito em torno da facção, diz promotor
Apesar dos vestígios da presença do PCC no estado e de um estudo do Ministério Público de São Paulo apontar que o Paraná é a segunda unidade da federação em que a facção está mais arraigada, especialistas em segurança pública sugerem que o "partido do crime" não está tão articulado por aqui como faz parecer. O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) aponta que não há uma liderança da facção no Paraná, o que pulveriza e enfraquece as ações.
"Existe uma mitificação do PCC no estado. O que há são algumas células distintas, que não se comunicam entre si. Tem um grupelho aqui, outro ali. Alguns os obedecem", diz o coordenador do Gaeco no estado, Leonir Batisti.
Ex-secretário Nacional de Segurança, José Vicente da Silva também atenta para uma "romantização" do PCC e duvida que haja uma estrutura organizada no Paraná. Ele avalia que a articulação do Comando se resume no sentido de dar assistência jurídica aos presos e alguma garantia aos familiares, mas que esse aparelhamento não chegue a definir ações criminosas do estado.
"O crime verdadeiramente organizado está bem distante do pessoal de bermuda e chinelo do PCC. Crime organizado são as quadrilhas que exportam 50 mil quilos de cocaína para a África e Europa. São as quadrilhas com dinheiro para comprar autoridades", disse.
Segundo Batisti, várias investigações realizadas pelo Gaeco apontaram que vários suspeitos usavam o nome do PCC, sem, de fato, ser "filiado" à facção. "O bandido faz isso para parecer perigoso, para 'aparecer' perante o outro."
Movimentação dos faccionados é monitorada
O principal trunfo das forças de segurança no combate a facções criminosas é o serviço de inteligência. Por meio de análise de dados e do monitoramento de membros dos grupos, familiares de presos e até de advogados, a polícia consegue antever eventuais ataques dos bandidos e se preparar para impedir que ocorram.
A Gazeta do Povo teve acesso a dois e-mails encaminhados a policiais do Paraná pelo serviço de inteligência, informando-os da movimentação de presos ligados ao PCC. Uma das mensagens eletrônicas era um alerta para um possível "salve" [ação coordenadas, como ataques fora dos presídios]. Os atentados não chegaram a ser deflagrados.
Os detalhes da atuação do serviço de inteligência não são revelados pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), por se tratar de uma questão estratégica. A pasta apenas diz que o trabalho é realizado por "profissionais altamente qualificados" e que o monitoramento ocorre de forma integrada, principalmente com a Polícia Federal.
Ex-secretário Nacional de Segurança, José Vicente da Silva não acredita que novos "salves" devam ocorrer. "Isso é muito blefe. Geralmente, os bandidos dizem isso em ligações telefônicas porque sabem que estão sendo monitorados e querem causar terror", resumiu. O especialista reitera que, apesar disso, a vigilância deve ser constante. "A polícia do Paraná tem condições de dar conta disso. Não se pode descuidar nem dar credibilidade a esse tipo de ameaça", diz.
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