A Resolução número 29 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada no último dia 1.º, lançou um novo olhar sobre as comunidades terapêuticas no Brasil. As residências, que tratam dependentes químicos, deixam de ser reconhecidas como estabelecimentos de saúde e passam a ser classificadas como equipamentos sociais de tratamento de usuários de drogas.
A nova norma retira a exigência anterior de haver um médico ou outro profissional de saúde no comando das comunidades terapêuticas, como determinava a Resolução 101, de 2001. Agora, basta ter diploma de ensino superior em qualquer área para ser responsável técnico da comunidade.
Segundo a Federação de Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil (Feteb), a medida afeta 3 mil grupos que atendem cerca de 60 mil dependentes químicos, principalmente usuários de crack. Segundo o presidente da Feteb, o pastor Wellinton Vieira, isso representa 80% do tratamento realizado contra a drogadição no país.
Vieira explica que a nova resolução é resultado de um encontro do setor com a presidente Dilma Rousseff (PT), ocorrido no início do governo. "Não somos clínicas de recuperação, a nossa ferramenta é a convivência entre os pares. A resolução vem para reconhecer isso e nos tirar da clandestinidade", argumenta.
Alguns traços da antiga resolução serão mantidos, como a exigência de licença sanitária e o encaminhamento do residente para hospitais e postos de saúde quando necessário. As comunidades terapêuticas não precisarão mais oferecer um programa terapêutico para seus residentes, como previa a Resolução 101, mas terão de registrar as atividades dos internos numa espécie de prontuário que irá incluir dados como a prescrição de um medicamento ou a realização de uma terapia em grupo.
As comunidades têm um ano para se adaptar à resolução. Vieira afirma que o segmento vai continuar lutando pela aprovação de uma portaria no Ministério da Saúde para regulamentar os procedimentos a serem tomados no caso de pacientes que precisam de tratamento médico. "Também vamos buscar financiamento público", afirma. As comunidades, geralmente ligadas a igrejas, se mantêm graças a convênios com prefeituras e doações.
Adaptação
A Comunidade Terapêutica Marcos Fernandes Pinheiro, ligada ao grupo evangélico Esquadrão da Vida, em Ponta Grossa (Campos Gerais), atendem a 24 meninos de até 18 anos. Segundo o coordenador Mário Sérgio Machado, a adaptação à nova resolução será simples. "Nós já registramos o acompanhamento diário dos internos", aponta. A casa tem médicos voluntários e uma equipe multidisciplinar que acompanha os adolescentes. Os residentes são encaminhados pela Vara da Infância e da Juventude como uma medida protetiva. Mas a capacidade de atendimento da comunidade, por enquanto está esgotada. "Tem cinco adolescentes na lista de espera."
No Lar Dom Bosco, em Campo Mourão (Região Central), as religiosas da Copiosa Redenção registram um acompanhamento das nove meninas internas. Para a irmã Elisangela Ramos de Souza, coordenadora da comunidade terapêutica, a nova resolução pode aumentar o acesso dos dependentes químicos às casas de recuperação, que terão maior liberdade de atuação.
Entidade de psiquiatria critica norma da Anvisa
"Ao publicar essa resolução, a Anvisa demonstra que está completamente por fora do que é um tratamento nessa área", opina o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva. Ele afirma que o governo cria uma "zona livre" para as comunidades terapêuticas ao tratarem usuários de droga sem o acompanhamento médico.
Apesar de a maioria das comunidades contar com médicos voluntários, Silva revela que o ideal é que o Estado ofereça clínicas especializadas. Em nota técnica, a Anvisa informa que ouviu todos os setores envolvidos antes de emitir a resolução. "A atual política do governo federal para enfrentamento do crack e outras drogas reconheceu a necessidade de se estabelecer parcerias entre o Estado e as instituições da sociedade civil que prestam relevantes serviços à comunidade na área da dependência química. Assim, a revisão da regulação sanitária sobre o tema foi realizada em consonância com as ações do governo, especialmente do Ministério da Saúde, de integração entre essas instituições e o Sistema Único de Saúde SUS", afirma na nota.
Auto ajuda
Na opinião do presidente da Associação Brasileira de Apoio às Famílias de Drogadependentes (Abrafam), Carlos Roberto Rodrigues, os familiares dos dependentes químicos precisam ter em mente que quando encaminham seus parentes para comunidades terapêuticas não terão pela frente uma clínica de recuperação, mas uma residência com uma metodologia própria. "A grande maioria adota a auto-ajuda, sem uso de medicação, um sistema de relacionamento em que predomina a ajuda entre os pares", explica.
Rodrigues considera ainda que o serviço é importante da maneira como é ofertado. "O Brasil não pode prescindir das comunidades terapêuticas para tratamento dos dependentes químicos. Elas são indispensáveis. Têm grande importância social", comenta.
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