Desde que seu caso foi divulgado pela Gazeta do Povo na última semana, dona Jupira Silvana da Cruz Rodrigues, de 57 anos, tem recebido apoio e voz. “Pessoas estão me visitando e muita gente tem enviado mensagens para senadores, deputados e ministros a respeito da minha situação”, relata a mineira, que segue com tornozeleira eletrônica, é obrigada a apresentar-se no fórum semanalmente e está proibida de manifestar-se em redes sociais.
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“Não posso falar por lá, mas muitos estão falando por mim, então quero agradecer a cada um”, disse em entrevista à Gazeta do Povo, citando também a atitude do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, que pediu na última segunda-feira (2) que o julgamento seja presencial. Essa solicitação evitou que dona Jupira fosse condenada em plenário virtual a 14 anos de pena e ao pagamento de uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 30 milhões de reais — valor que deve ser dividido entre os sentenciados.
Em seu pedido, Mendonça argumentou “ser importante o exame do caso com maior detença" em função das "peculiaridades fáticas e das circunstâncias pessoais da acusada”. A ação é uma tentativa de individualizar a conduta dos réus do 8/1 e as penas recebidas, um “princípio constitucional”, e faz com que o advogado de defesa fale presencialmente no julgamento. O mesmo destaque foi concedido pelo ministro à agente comunitária Nilma Lacerda Alves, que também já tinha maioria de votos no STF para a mesma condenação.
“Eu estava orando para que o processo virtual fosse suspenso e tivéssemos chance e tempo de mostrar a verdade à população”, relatou Jupira, que agora aguarda a data para o julgamento presencial diante dos 11 ministros.
O que aconteceu com ela no dia 8/1?
Segundo ela, sua filiação ao Partido Liberal (PL) ocorreu em 2011, mas a luta em prol da família e das crianças começou bem antes. “Meu foco principal sempre foram as crianças porque sou mãe, avó, e não aguento ver maldade contra os pequenos”, afirma a mineira, que participou das manifestações realizadas em Brasília na tentativa de lutar por um país melhor para as futuras gerações.
“Fui outras vezes e sempre era muito pacífico, com orações e hinos. Se eu imaginasse o que ia acontecer no 8/1, jamais teria ido”, relata, ao contar um pouco do que viveu naquele dia. “Muitas pessoas tinham saído antes, e eu fui na segunda ou terceira leva que saiu do acampamento”, lembra.
Além disso, ela informa que todos passavam por uma revista com detectores de metal para retirar qualquer item considerado perigoso. “Até alicates de unha eram apreendidos”, recorda, ao afirmar que na sua mala tinham roupas e uma garrafinha de água. “Essa que encontraram com as minhas digitais e com as de outro rapaz porque ofereci para um moço tomar quando vi ele passando mal.”
Ainda de acordo com ela, a caminhada até o gramado foi longa e não havia lugar para se proteger. “Então, quando os policiais começaram a jogar bombas [de gás lacrimogênio] em nós, todo mundo, aquela massa, começou a procurar abrigo, e era muita gente. As câmeras poderiam mostrar tudo, se elas fossem reveladas.”
Em meio à confusão, Jupira conta que entrou no prédio mais próximo, e as cenas que viveu ali foram assustadoras. “Tinha muita gente vomitando, nossos olhos queimavam, e não dava para respirar direito devido à inalação do gás”, recorda, afirmando que os policiais continuavam atirando balas de borracha contra as pessoas. “Tanto que os vidros estavam intactos quando cheguei, mas foram quebrados por esses tiros.”
“Tanto que os vidros estavam intactos quando cheguei, mas foram quebrados por esses tiros”
Inclusive, uma cena que não sai de sua memória é a de um homem que ela viu se ajoelhar diante dos policiais, enrolado com a bandeira do Brasil e pedindo que os militares não atirassem. “A bandeira ficou vermelha de sangue, e eu só queria fugir dali.”
Diante da situação, mesmo sabendo das bombas fora do prédio, ela afirma que tentou sair do local três vezes, mas foi impedida pela força policial. “Fui obrigada a ficar ali dentro, fugindo das balas de borracha enquanto tentava ajudar pessoas que precisavam, como o rapaz que teve uma convulsão e tomou água da minha garrafinha.”
Após sete meses na prisão, saiu preventivamente com tornozeleira
Jupira foi presa dentro do Planalto e ficou sete meses encarcerada na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia. “Meu filho casou dia 21 de janeiro e eu não pude participar, um trauma psicológico que levarei para sempre”, lamenta a mineira, ao lembrar que passou essa data em oração com as demais detentas do 8/1.
Ela também não teve oportunidade de acompanhar o crescimento do netinho mais novo, hoje com um ano de idade, e soube que a neta de cinco anos chegou a pensar que ela havia morrido. “Eu sumi de verdade, e isso foi muito forte para ela.”
Agora, Jupira está em liberdade condicional com tornozeleira eletrônica e todas as suas contas bancárias seguem bloqueadas. “Inclusive, sou curadora de um rapaz com transtorno mental irreversível que perdeu a mãe atropelada, e até a pensão por morte que ele recebe foi travada por estar no meu nome”, revela. “Estamos sofrendo muito sem eu ter cometido nenhum crime.”
“Sou curadora de um rapaz com transtorno mental irreversível que perdeu a mãe atropelada, e até a pensão por morte que ele recebe foi travada por estar no meu nome”
Ela também comenta das idas semanais ao fórum da cidade para se apresentar ao juiz — regra imposta aos presos do 8/1. De acordo com a dona de casa, a situação lhe traz imensa tristeza, pois ela sempre entrou no local como uma “pessoa de bem” para atuar como jurada. “E para você ser jurado você tem que conduta honesta, coerente, e eu já participei aqui em Betim (MG) muitas vezes”, afirma, ao citar que hoje é obrigada a ouvir o detector de metais apitar devido ao uso da tornozeleira.
“Fora isso, eu não consigo mais dormir, tenho consultas com psiquiatra para lidar com tudo e tenho visto meu neto mais velho, de nove anos, desolado e me perguntando o tempo todo quando vou tirar isso. Eu só falo que será logo”, relata a mulher, ao pedir justiça.
“Há tantos criminosos que têm seus direitos resguardados pelos defensores dos direitos humanos, mas eu que não sou criminosa perdi todos os meus direitos, e ninguém fala nada. Quero que a verdade seja ouvida, nada mais que a verdade”, pede dona Jupira.
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