A julgar pela variedade de frutas e legumes jogados no salão e no banheiro, por um breve instante poder-se-ía imaginar uma feira diferente, com poltronas e uma grande tela branca. Mas peraí, o que estariam fazendo pepinos, nabos e bananas num cinema pornô? Porteiro, lanterninha e faxineiro do estabelecimento, Júlio César Machado bem que arrisca alguns eufemismos para explicar, mas é melhor deixar para lá. "Cada um tem suas fantasias", resume. Entre idas e voltas, ele passou metade dos seus 42 anos trabalhando como faz-tudo no Cine Morgenau, o primeiro e hoje único a exibir filmes impróprios para menores de 18 anos em Curitiba.
O Morgenau mudou de endereço há pouco mais de quatro anos da Praça Dezenove de Dezembro para a Rua Conselheiro Laurindo , mas suas histórias continuam divertidas. Os causos são compartilhados entre o faz-tudo e o gerente, Jorge Luiz de Souza.
Os clientes escassearam um pouco. Eram 600 por dia há duas décadas, hoje oscilam em torno de 150. Nos bons tempos, Júlio, então com pouco mais de 18 anos, assustava-se com tanta gente que queria assistir às sessões a todo custo. O público fazia fila e não se incomodava de esperar o quanto fosse necessário. Os seis cines pornôs que funcionavam simultaneamente no início dos anos 80 em Curitiba viviam lotados. Era muito grande a curiosidade, lembra Júlio. Só o Morgenau resistiu à popularização do vídeo-cassete e das casas de swing. Único cinema de rua da cidade, agora luta bravamente contra a investida do DVD e da internet sobre seu público.
Júlio arrisca dizer que o cine pornô nunca vai acabar, e atribui à curiosidade dos jovens. Pelo menos daqueles que têm medo de levar filmes do gênero para dentro de casa. O zelador não está sozinho. "Todo ser humano tem fantasias, que muitos só conseguem liberar no cinema", diz Jorge. Em pouco mais de meia hora, das 11h20 às 11h55 de uma sexta-feira de fevereiro, a reportagem acompanhou a entrada de seis homens no Morgenau. Um carregava mochila de estudante, outro tinha roupas típicas de turista, um terceiro parecia vigilante, o seguinte se assemelhava a um office boy, outro tinha cara de aposentado e o último ostentava um uniforme aparentemente de motorista. As idades pareciam variar entre 20 e uns 60 anos.
Estes são alguns dos personagens que fazem do Cine Morgenau um manancial de curiosidades. Os casais hoje são raros, mas volta e meia aparecem. "Eles preferem as casas de swing", opina Jorge. Quase todos que vão ali deixam um rastro de surpresas. Revistas pornográficas são os objetos mais "esquecidos" no banheiro ou na sala de exibição, mas neste rol incomum estão ainda camisinhas, calcinhas, óleo de massagem, toalhas, calça, camisa, luva de borracha, além, é claro, de pepino, nabo e banana. Haja fantasia...
Para onde vai este arsenal todo? Júlio recolhe toda a sujeira, Jorge põe tudo num saco e entrega com a devida explicação para os coletores de resíduos. "É quase como um lixo hospitalar", brinca. Apesar de receber salário-mínimo, Júlio diz não ter do que reclamar. Ganha almoço e jantar e ainda tem boas histórias para contar. Numa delas, duas moças apareceram para conhecer o cinema. Meia hora depois tinha mais gente olhando para o "namoro" delas do que para a tela. Júlio teve de entrar em ação. Com um certo pesar, tomou a lanterninha nas mãos e foi ter com elas. O que pensariam dele? Isso não importava, tinha de mostrar porque é o faz-tudo por ali. Prostrou-se diante das moças e, sob o olhar atônito da platéia, pediu que se recompusessem e prestassem atenção no filme. Voltou para a portaria ciente do dever cumprido. Afinal, alguém tem de pôr ordem na casa. (MK)