O prolongamento do conflito da terra indígena Raposa Serra do Sol está engessando oportunidades de desenvolvimento econômico e social em Roraima, além de sangrar os cofres públicos - com os custos das tropas federais acantonadas na região desde abril, dos advogados particulares contratados pelo Estado, das viagens de equipes governamentais a Brasília para discutir o assunto e por aí afora.
Na opinião do economista Gilberto Hissa, professor da Universidade Federal de Roraima, o Estado vive uma situação de incertezas, que representa o pior dos mundos sob o ponto de vista econômico: "Quem vai investir, fazer negócios numa área marcada pela incerteza? Ninguém".
Hissa não defende publicamente nenhum dos dois lados envolvidos na polêmica - nem os arrozeiros, que se recusam a sair da terra indígena, nem os índios. O que ele deseja é uma solução rápida, que tire de cima do Estado o manto pesado do conflito e ajude a atrair mais investimentos. "A área ocupada hoje pela agricultura gira em torno de 100 mil hectares. Mas nós temos outros 2 milhões para explorar. Quando começarmos a fazer isso a economia do Estado avançará e deixará de ser tão dependente dos recursos federais. Hoje 60% do PIB de Roraima é do setor público", afirma o economista.
Ele se surpreendeu, na quarta-feira, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender o julgamento das ações judiciais envolvendo a demarcação da Raposa Serra do Sol, após seus ministros terem passado quase quatro meses analisando o caso. No início de maio, quando as tropas da Polícia Federal e da Força de Segurança Nacional chegaram à Raposa, com a missão de tirar os últimos não-indígenas da área, elas enfrentaram resistência dos arrozeiros. Diante do risco de mortes, o STF determinou a suspensão das operações, até que as ações fossem julgadas. Esperava-se na quarta-feira uma sentença - que não veio, prolongando ainda mais a incerteza em Roraima.
O conflito arrasta-se desde 2005, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou a criação da terra indígena, com uma área de 1,7 milhão de hectares. De lá para cá, os esforços para atrair novos investidores ao Estado ficaram cada vez mais difíceis, segundo o produtor rural Álvaro Callegari, que já foi secretário de Agricultura em dois governos.
"Por causa de suas condições climáticas e de solo excepcionais, que permitem obter duas safras e meia de arroz por ano, além da colheita de soja no período de entressafra dos grandes Estados produtores, nas regiões Sul e Centro-Oeste, Roraima já recebeu a visita de todos os grandes investidores do setor do agronegócio no País", conta o ex-secretário. "Eles sempre gostam do que vêem, mas vão aplicar seu dinheiro em outro lugar quando ficam sabendo da grande confusão fundiária que existe por aqui."
A confusão fundiária não se refere apenas à disputa entre índios e produtores rurais pela fértil faixa de terra ocupada por imensos e vistosos arrozais ao sul da Raposa Serra do Sol. Segundo o ex-deputado federal e atual presidente da Federação da Agricultura de Roraima, Almir Moraes Sá, quase todas as terras agricultáveis de Roraima ainda estão com a União, que promete distribuí-las e titulá-las de forma definitiva há quase 20 anos - desde quando o Estado foi constituído.
A tarefa de titular as terras é do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que, de acordo com Sá, não funciona: "Por causa da máquina enferrujada e emperrada do Incra, os títulos não saem, as confusões aumentam e assim Roraima continua sendo um Estado de funcionários públicos, porque tudo aqui depende da máquina estatal".
Para o economista Gilberto Hissa, assim que fosse fechada a polêmica da Raposa, as autoridades deveriam se concentrar na solução dos outros problemas fundiários e permitir que o Estado cumprisse sua principal vocação, de produção primária, de arroz, soja, milho, sorgo e outros produtos agrícolas: "Mesmo depois de demarcadas todas as terras indígenas, as reservas ambientais, os parques ecológicos, e depois de separadas as região não utilizáveis para a agricultura , ainda teríamos áreas para um grande salto à frente".
Por enquanto só existem expectativas. Um dos maiores plantadores de soja do Estado, o gaúcho Afrânio Vebber, conta que também tem tentado divulgar entre produtores de outros Estados as vantagens de Roraima. "Toda a área plantada com soja no Estado gira em torno de 8 mil hectares", diz ele. "O ideal seria termos mais produtores, mas é difícil atrair compradores de terras, porque Roraima ainda é um Estado quase virtual, com poucas terras tituladas e marcado por esse conflito entre índios e arrozeiros "
A indefinição afeta também os índios que vivem na Raposa. O coordenador do Conselho Indigenista de Roraima, Dionito de Souza, diz que já existem grupos de índios preparando associações de pequenos produtores rurais com fins lucrativos, para explorar melhor suas terras. Enquanto durar o conflito, porém, eles dificilmente conseguirão crédito. "Vamos ter que recorrer a organizações amigas dos índios", reconhece.
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