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A hipertrofia do Poder Judiciário na vida pública brasileira e o crescente autoritarismo do Supremo Tribunal Federal (STF) não são responsabilidade somente de ministros da Corte: o Congresso também tem grande parcela de culpa. A opinião é de juristas que conversaram com a Gazeta do Povo.
O termo "juristocracia" foi popularizado pelo cientista político canadense Ran Hirschl em seu livro "Rumo à Juristocracia", de 2004, que descreve um fenômeno internacional de aumento da influência dos tribunais em questões importantes de política pública. Correntes modernizantes do Direito pregam uma interpretação ampla e flexível das constituições pelos tribunais, admitindo que eles se envolvam em questões que historicamente eram deixadas para os ramos políticos do governo.
Para Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidad Autónoma de Madrid, "é bem provável que o Brasil seja o maior exemplo" mundial do fenômeno da juristocracia. "Falamos muito no STF. Mas a hipertrofia é generalizada. Os poderes não eleitos têm um poder político completamente contraindicado em uma democracia. Creio que não exagero ao dizer que hoje, no Brasil, uma recomendação do Ministério Público está valendo mais que a própria lei", comenta.
Segundo ele, a inércia dos parlamentares é uma das causas da juristocracia no Brasil. O fenômeno acaba fomentando um Legislativo que muitas vezes propõe, por demagogia, aquilo que sabe que não vai avançar e que, ao mesmo tempo, fica omisso quando deveria agir. O resultado é um Congresso com duas características: a temeridade e a covardia.
"Se o poder de fato está concentrado no Judiciário, o legislador pode, por demagogia, propor coisas absurdas, porque o juiz as derrubará. Isso é temeridade. Mas o legislador também pode – precisamente porque sabe que, no final do dia, quem decide é o tribunal –, deixar de deliberar sobre temas delicados e impopulares. E isso é covardia", observa.
Adriano Soares da Costa, ex-juiz de Direito e especialista em Direito Eleitoral, também acredita que o Congresso é culpado da juristocracia no Brasil. Uma das evidências disso é que o Legislativo delega funções ao STF: muitas questões que deveriam ser resolvidas no âmbito parlamentar têm sido levadas ao Judiciário. "A saída da juristocracia é o parlamento chamar para si o protagonismo do processo dialógico na política. O problema é que as minorias circunstanciais do parlamento, quando perdiam as suas discussões no âmbito do debate parlamentar, passaram a levar o termo ao Judiciário. As próprias minorias dizem: eu não creio no parlamento. E, na medida em que o Congresso nacional perdeu o seu autorrespeito, o próprio conceito de imunidade parlamentar passou a ser esvaziado. Esse é um dos sintomas muito claros da fragilidade do parlamento."