São os deputados federais e os senadores quem devem impedir o avanço da linguagem neutra e garantir que a língua portuguesa seja respeitada nas escolas, segundo fontes ouvidas pela Gazeta do Povo. Entidades LGBT recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que 18 leis municipais que proíbem o ensino do dialeto em sala de aula sejam declaradas inconstitucionais. As ONGs alegam que a competência sobre o tema é da União, o que anularia as normas municipais.
Ana Luiza Rodrigues Braga, doutora em Teoria Geral do Direito pela USP e professora de Direito Constitucional, comenta que uma lei aprovada pelo Congresso seria a forma mais adequada para garantir que a linguagem neutra não passe a ser ensinada em sala de aula.
Mais de 20 projetos de lei sobre o tema tramitam no Congresso Nacional. O PL 5198/2020, de autoria do deputado Júnio Amaral (PL-MG), está entre os mais avançados na Câmara dos Deputados. Ainda assim, o caminho é longo. A proposta precisa ser aprovada em três comissões e pelo plenário. Depois, deve enfrentar ao menos uma comissão no Senado Federal. O fato de o tema ser polêmico também não facilita o avanço da matéria.
"Baseado tanto na própria Constituição Federal quanto na Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDB), a balança pesa mais para se afirmar que a competência da matéria é, de fato, da União”, explica Braga.
Por outro lado, a professora avalia que os dispositivos da Constituição que tratam sobre as competências dos entes federativos não são muito claros e dão margens para outras interpretações.
O doutor em Direito pela USP e professor de Direito Constitucional Alessandro Chiarottino entende que a competência privativa da União se limita à LDB, sancionada em 1996. "O tema da 'linguagem neutra' não pode ser considerado para uma lei de diretrizes e bases. Já a competência genérica para legislar sobre educação é concorrente, podendo estados e municípios fazer adaptações conforme as suas características peculiares", considera.
Atuação do Congresso sobre língua portuguesa deve ser limitada
Alessandro Chiarottino reitera que mesmo o Congresso Nacional tem uma limitação em sua atuação para possíveis alterações no idioma.
"Quando a Constituição diz que a língua portuguesa é 'o idioma oficial da República Federativa do Brasil', essa determinação quer dizer alguma coisa. Não pode ser uma língua portuguesa inventada por parlamentares ou determinado grupo político", analisa o professor.
Ainda segundo ele, "para alterar a língua portuguesa você precisa alterar a Constituição, alterar o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa firmado em Lisboa em 1990 e dizer que vai aplicar outras regras. Existem critérios e padrões que não envolvem só o nosso país".
Em dezembro de 2023, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou uma emenda que proíbe o uso da linguagem neutra em documentos oficiais. O trecho foi acrescentado no Projeto de Lei 6256/2019, de autoria da Érika Kokay (PT-DF), que trata sobre linguagem simples em documentos oficiais. Para valer, a proposta ainda precisa ser aprovada pelo Senado Federal e sancionada pelo presidente.
Para as entidades, as leis também vão contra a liberdade de aprender
A petição da Aliança Nacional LGBTI+ e da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) afirma que as leis municipais violam os princípios da liberdade de aprender e ensinar e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206 da Constituição Federal).
“Sem liberdade de ensino e de pensamento não há democracia. Os graves vícios que maculam a norma impugnada tornam fortes os argumentos trazidos pela requerente para afastar a norma. O risco de sua imediata aplicação, calando professores, professoras, alunos e alunas, é imenso e, como tal, justifica a atuação excepcional deste Tribunal”, afirma o documento.
Ana Luiza Braga contrapõe o argumento dizendo que o direito à educação não consiste apenas em obter informações e conhecimentos, mas obtê-los da maneira correta. “Na educação existe uma margem de liberdade de professores, especialmente em temas onde há uma disputa interpretativa e de narrativa. Ao mesmo tempo, há matérias em que essa liberdade do professor é reduzida em virtude de parâmetros formais e objetivos de correção”, analisa.
É o caso da disciplina da língua portuguesa, que possui normas concretas do que é considerado adequado.
“Estamos falando de um conjunto de regras gramaticais estabelecidas que são fundamentais para a compreensão mútua entre as pessoas. O professor teria a capacidade de ensinar a língua portuguesa mediante um dialeto? É claro que não. Ele pode apresentar esse dialeto como uma variante, mas o ensino precisa ter com base o vocabulário ortográfico de língua portuguesa e da gramática elaborada”, pondera Braga.
Presidente da ABL afirmou que linguagem neutra é incipiente e de nicho
Merval Pereira, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), já afirmou, em outubro de 2023, que não vê razão para que a linguagem neutra seja adotada oficialmente. Pereira ressaltou que o uso da linguagem neutra é incipiente e de nicho.
“Os documentos oficiais devem seguir as normas oficiais que estão vigentes. Se o professor quiser falar ‘todes’ na sala de aula, ele estará prejudicando a maioria dos alunos que não sabe o que é isso. Ele também não pode obrigar os alunos a usarem a linguagem neutra, porque não há nada que obrigue a isso”, esclareceu.
Duas das 18 ações estão na pauta para serem julgadas pelo STF, em 31 de maio, no plenário virtual. Em uma delas, o ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar para a suspensão da lei municipal de Ibirité (MG) que proíbe o ensino de “linguagem neutra ou dialeto não binário” nas escolas públicas e privadas.
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