Uma visita a Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, mudou para sempre a vida da administradora Julianna Podolan Martins. De férias para visitar o Pantanal em 1997, ela foi convidada por uma artista local para conhecer uma aldeia indígena. A primeira reação foi de espanto, mas topou a novidade. Ao chegar na tribo Kadiwéu, Julianna foi tomada por um misto de indignação, incredulidade e admiração. Percebeu, num solavanco, que não sabia quase nada sobre os moradores nativos do Brasil e que o pouco conhecimento que havia recebido até então era estereotipado. Saiu dali convicta de que ajudaria a mudar essa história.
“Há uma ideia equivocada de um índio genérico, que precisa ser desconstruída. E também há uma impressão errada de que deveria haver uma cultura congelada, sem mudanças ou interação. É preciso saber que há muita diversidade. E é necessário cultivar a tolerância”, comenta. Naquela mesma viagem comprou um vaso de cerâmica – o primeiro item da coleção particular que já passa de 700 peças.
Quando retornou ao Paraná, foi em busca de conhecimento científico sobre o assunto. Encontrou a maior parte das informações em arquivos da Universidade de São Paulo (USP). Quanto mais pesquisava, mais queria conhecer. Emendou diversas viagens, ano após ano, para os mais distantes pontos do Brasil. Marcava no mapa uma rota e saía em busca de novas descobertas. Perdeu as contas de quantas aldeias e tribos visitou – onde encontrou muitos estrangeiros, mas nenhum branco brasileiro. “Há um desconhecimento geral”, lamenta.
Branca, sem qualquer linhagem indígena, Julianna se viu absorta pela cultura nativa. Ela busca explicações para esse encantamento. Talvez as memórias do pai, que contava a ela, na infância, histórias sobre Apaches e Cherokees, tribos dos Estados Unidos. Mas eram relatos de guerra, nada que lembre o que mais empolga Julianna. Ela gosta das cores, dos artefatos, do sentido da vida de quem vive imbricado à natureza. Tem particular interesse pela arte plumária – os índios, também. Há a crença de que as aves são divinas, por transitarem entre o céu e a terra. Ao usar penugens, penas e plumas, os nativos emprestam as cores da natureza.
O museu
A cada viagem, novas aquisições de peças. Não queria o que era oferecido para turistas. Ia em busca de objetos realmente usados, como tachos e bancos, além dos mais diversos adornos. “Eu nunca quis fazer uma coleção. Foi acontecendo”, conta. Não sossegou enquanto não trouxe uma canoa de sete metros que encontrou no Xingu. De repente, a casa em que morava estava repleta de objetos. No quarto, na sala, em todos os lugares. Não raro quem a visitava perguntava o que ela pretendia fazer com aquilo tudo e questionava se não seria interessante abrir o acervo para o público. Ainda em fase embrionária, chegou a instalar um museu em Clevelândia, no Sudoeste do Paraná, na época em que a família morava lá. Mas com a mudança para Curitiba há dois anos veio o desejo de instalar a estrutura, de forma ampliada, na capital paranaense.
Nascia o Museu de Arte Indígena (MAI), o primeiro privado no Brasil e que abrirá as portas ao público na sexta-feira (18). Com o suporte das arquitetas Sabrina Slompo e Karina Kawano, da Sasis Arquitetura + Art d3, Julianna colocou em prática a idealização do espaço, que serpenteia por ambientes inspirados nas curvas da sucuri. Em três andares de um edifício comercial no bairro Água Verde, os objetos colecionados ao longo de quase duas décadas são dispostos com primor em 700 metros quadrados. O material é exclusivamente do indígena do território brasileiro.
Ao entrar no espaço, aos poucos o visitante é transportado para outro universo. São fotos e texturas e há ainda o aroma de castanhas e buritis. Logo fica sabendo das mais de 150 línguas ativas faladas no Brasil e que os indígenas ocupam 12% do território nacional. Em alguns passos o visitante já chega a uma oca estilizada, repleta de bancos de madeira em formato de animais (na cultura indígena, destinados apenas aos homens, porque seriam capazes de transmitir virilidade).
O foco do MAI é público escolar, mas é também aberto para turistas em geral. “Os alunos sempre receberam a história contada pelo ponto de vista do branco. Aqui o objetivo é explicar, com calma e detalhes, para quem quer aprender sobre a cultura”, comenta. Há agenda programada até abril, principalmente de escolas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Julianna emenda, uma atrás da outra, palavras complicadas de origem indígena. Diz, sem titubear, os nomes das tribos e explica as técnicas de fabricação e as formas de uso dos objetos.
Além do acervo fixo, o espaço também receberá exposições itinerantes, com artistas de várias partes do Brasil. A primeira é a mostra fotográfica “Arte no corpo pintura na alma”, de Manoel Martins. O MAI também deverá abrigar lançamentos de livros e exibições de filmes. Julianna lamenta que o Brasil tenha tão poucos museus indígenas, citando como referências apenas o Darci Ribeiro, no Pará, e o de Campo Grande (MS). E lamenta ainda mais que tantas obras de arte indígenas estejam no exterior: o maior acervo de arte plumária brasileira está na Áustria, de cerâmica está na Alemanha e o mais famoso manto Tupinambá está na Noruega.
O equilíbrio é o que me chama mais atenção. A gente vive numa sociedade desconectada da natureza