Quando o gesseiro João Alves Nascimento anunciou, dez anos atrás, que assumiria o posto de Papai Noel deixado por um compadre que havia se aposentado, no bairro Xaxim, em Curitiba, seus amigos imediatamente o desencorajaram. Por ser negro, ouviu argumentos que apontavam que soaria estranho um bom velhinho “de cor”. Deu de ombros ao preconceito e abraçou a nova função. Desde então, arrecada brinquedos e balas para, na véspera de Natal, distribuir em favelas e bairros periféricos de Curitiba e região metropolitana.
“Me diziam que eu não podia ser Papai Noel. Falavam: ‘Você é preto. Você já viu Papai Noel preto?’. Eu disse: ‘Pois então eu vou ser o Papai Noel preto’, com muito orgulho. Assim foi e sou muito feliz assim”, disse.
No Jardim Cecília, em Campo Magro, onde mora atualmente, Nascimento é conhecido pela alcunha de Cana Brava. “É porque eu tomo um golinho”, explica. Com seu jeito cativante e expansivo, envolveu toda a comunidade no projeto. Os brinquedos chegam por meio de doações feitas por amigos, vizinhos e comerciantes, alguns dos quais também participam da entrega dos presentes. Hoje, a ação de Natal já faz parte do calendário local. “Todo mundo já fica esperando. Nem que eu quisesse, me deixariam parar”, afirma.
Todo dia 24 de dezembro, o Papai Noel sai a bordo da caçamba de uma caminhonete carregada com brinquedos simples, que é seguida por uma carreata de voluntários. No roteiro, vilas, comunidades pobres e áreas de ocupação, como as favelas do Barigui e do Sabará, a Vila Verde e a Vila das Torres. Só quando todos os presentes são distribuídos – já à noite – é que ele volta para a casa, cansado, mas feliz por ter cumprido sua missão.
“O Papai Noel chora, às vezes. Por causa de um brinquedinho que custa R$ 4 reais, a criança fica doida, ri, chora, se emociona. Elas são pobres. Criança de favela, né? Então, para a maioria delas, aquele é o único presente. Não tem como não se emocionar”, diz.
No Natal de 2015, o bom velhinho distribuiu mais de três mil brinquedos e quarenta quilos de balas. Para este ano, as arrecadações já começaram. Um estabelecimento da comunidade – a Lanchonete da Rita – vai promover um baile, em que os ingressos serão trocados por presentes, a serem dados à criançada por Cana Brava. O Papai Noel, no entanto, não aceita ajudas financeiras. “Dinheiro, eu não pego um centavo. Tem empresário que quer contribuir, eu digo pra comprarem os brinquedinhos e trazerem”, afirma. O telefone para doações de presentes é o 99761-7561.
Origem
O sonho dele era comprar, ele mesmo e do próprio bolso, os presentes para as crianças. Enquanto não tem recursos, o próprio Papai Noel vive de forma modesta em um apartamento de três cômodos, improvisado na sobreloja do Bar Cecília, que também ajuda nas arrecadações. Na casa de poucos móveis, um oratório de plástico colocado sobre a geladeira se destaca com imagem de Nossa Senhora Aparecida, de quem é devoto.
Cana Brava nasceu e cresceu em Ibaiti, no Norte Pioneiro. Morava em um sítio com o pai e trabalhava na lida da roça de café e milho. Era uma época de natais magros, em que ele e os irmãos não viam brinquedos, muito menos Papai Noel. Hoje, aos 60 anos de idade, ele pondera que isso, talvez, tenha o impulsionado a distribuir brinquedos.
“Brinquedos, só os que a gente mesmo fazia, de lata. No Natal, de vez em quando, a gente ganhava um par de sapato ou uma roupa. A gente até queria [ganhar brinquedos], mas não podia, não tinha condições”, conta. “Hoje, eu me realizo, sim, por essa criançada”, completa.
Separado – ou “largado”, como diz –, Cana Brava é pai de nove filhos, que têm idades entre 16 e 42 anos. “É porque eu gosto de criança”, argumenta, justificando o tamanho da prole. Hoje, alguns de seus filhos também integram a caravana do Papai Noel, que percorre a periferia. “Eles vestem uma touquinha vermelha e vão junto, se divertem. Na época deles, também não tinha muito presente”, aponta.
“Ho, ho, ho”
Em seu apartamento, Cana Brava guarda algumas roupas de Papai Noel. Ainda assim, todo ano procura comprar um acessório novo para incrementar a caracterização. E basta trajar a indumentária vermelha e ajeitar a barba postiça no rosto para que ele “vista” o personagem. “Agora não é mais Cana Brava, agora é Papai Noel. Ho, ho, ho!”, sorri, de modo caricato.
Nem o calor do tecido sintético é capaz de tirar o bom humor do bom velhinho. Ao sair às ruas para uma sessão de fotos para esta reportagem, Cana Brava – ou melhor, o Papai Noel – não resistiu quando Alice, uma menina de três anos, o viu e lhe abriu os braços. A garotinha ganhou uma bola de plástico, com a qual se foi, saltitante. “É por coisas assim que a gente faz o que faz”, disse, diante da alegria da menina.
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